O Dominatrix, um dos principais grupos de hardcore formado por meninas e a primeira banda que vêm à cabeça quando se fala de rock e feminismo no Brasil, foi convidado para tocar no Ladyfest de Berlim.
O festival feminista é um evento independente e acontece em todo o mundo, inclusive no Brasil – embora sua última versão em terras tupiniquins tenha acontecido há dois anos atrás. Em sua tônica, tem a pegada do movimento riot grrrl, que envolve manifestações culturais feministas mais ligadas às cenas underground e hardcore. Em 2004, a funkeira Tati Quebra Barraco foi convidada da edição de Stugart, na Alemanha.
Além de investir no show de Berlim, o Dominatrix tem planos de realizar uma turnê européia, que deve passar por Holanda, Polônia e talvez Itália. "Para viabilizar a ida", explica a vocalista e guitarrista da banda, Elisa Gargiulo, 29 anos completos na semana passada, em entrevista ao site e revista A Capa.
No começo do mês, o Dominatrix lançou na internet o EP "Quem defende pra calar", com quatro músicas novas em português. As canções podem ser baixadas de graça pelos fãs, no site Trama Virtual. Na entrevista a seguir, Elisa fala sobre a mudança de tocar em português, os novos passos e projetos da banda.
Como você vê, hoje, a presença das mulheres no rock?
Na televisão… MTV, rádio… acho que precisa dar mais espaço. Pelo que vejo, a cena feminina de rock brasileiro underground não se importa muito com isso especificamente. É uma cena muito independente. Não é porque o rádio não quer tocar que elas vão deixar de fazer show ou gravar disco. Pessoalmente, gostaria de ver mais meninas na televisão tocando instrumentos, não só como cantoras. Acho a Pitty o máximo. Ela é compositora, e isso é muito importante, pois vivemos num país de intérpretes. Mas, é legal ter mais mulheres fazendo rock.
Você acha que os ‘homens do rock’ estão menos preconceituosos ou machistas hoje do que há 14 anos, quando o Dominatrix começou?
Depende. Quando começamos lidávamos com homens específicos, da cena hardcore. Com os anos, percebemos que o discurso dentro dessa cena foi se abrindo e houve mais tolerância. Daí a dizer que esses homens que começaram a ficar mais calmos e conversar com a gente se tornaram menos preconceituosos eu não consigo medir muito. Acho que, se uma banda feminina tocar num festival grande de música, tipo em um Abril Pro Rock, ainda vão estranhar. Existe uma necessidade de se provar bom, muito maior do que um cara precisa. Não sei medir se o homem está menos preconceituoso.
Se um padre proibiu uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto de fazer aborto… vai demorar um pouco pra eu falar "parabéns".
E o movimento riot grrrl brasileiro? Você acha que está bem ou foi mais forte nos anos 90?
No começo dos anos 90, até o meio dos anos 2000, tinha uma coisa que se poderia chamar de Riot Grrrrl, mais consistente em termos de banda feminina/feminista. Até 2007 teve o ladyfest, que é um evento Riot Grrrl. Se for analisar a cena através das suas manifestações, ele está bem vivo. Tem muitas bandas femininas, quando o ladyfest acontece é recorde de público. Ela [a cena riot grrrl] está maior, mas mais pulverizada. Não há mais a centralização de eventos como tinha há alguns anos. Existe muito mais festivais de rock feminista hoje do que há dez anos.
Você acha que o riot está flertando mais com o queer?
O riot grrrl brasileiro sempre foi muito queer. Até mais do que o americano. Nos Estados Unidos o homocore surgiu antes, em 86, 87. O riot vem em 90, 91. Então, começou separado. Quem era queer ia para o homocore, não para o riot. Tinha algumas intersecçoes. No Brasil, o riot começou com uma coisa muito gay. Quem era viado e gostava de punk, ia pra show riot, não tinha banda gay…
O Dominatrix começou a cantar em português depois que outras bandas da cena hardcore já haviam mudado essa postura, tipo o Blind Pigs (hoje Porcos Cegos). Por que o Dominatrix só mudou agora?
Então, o Blind Pigs está um pouco distante da nossa realidade. Se você for ver coisas mais próximas como Dance of Days, Againe ou Polara, bandas que começaram junto com Dominatrix, ou um pouquinho antes, ou tocamos juntos, cantam em português bem antes da gente. Muitos anos antes. O plano de cantar em português foi um pouco sabotado pela agenda da banda, até de composição. A gente fez muita turnê… Minha irmã [Isabella Gargiulo] saiu da banda, aí quando comecei a criar algumas coisas não tinha muita certeza de pegar e falar "isso aqui está bom". Até termos certeza de que as músicas estavam boas, fiz um projeto que chamava ‘Lesbião Urbana’. Fazia umas músicas em português e tocava nos bares, tipo voz e violão. Coloquei esse apelido justamente porque achava que as minhas primeiras músicas em português não entravam no Dominatrix, porque pareciam com coisas brasileiras muito clichês, mas eu achava que eram boas…
A Flavia e a Mayra saíram da banda por causa disso, das letras em português?
Oficialmente sim. Foi a declaração oficial delas, publicada no site Banana Mecânica, no ano passado. Quando eu e a Débora fechamos que gostaríamos muito de fazer músicas em português, em nenhum momento dissemos que mudaríamos o som. Tanto que você ouve as músicas em português, não mudou muita coisa. Não está NX Zero, Pitty, como acharam que ficaria. Quando elas [Flavia e Mayra] saíram da banda, nem tínhamos músicas em português para comparar, até pra saber o que ia virar. Tinha "Filhas, Mães, Irmãs" que é um "punkão", tipo um Cólera, até meio Inocentes, que parece um punk antigo, misturado com Dominatrix e hardcore. Depois elas publicaram umas coisas dizendo que ficaram com medo de mudar o som… Mas aí precisa falar com elas para saber ao certo.
Vocês continuam amigas ou ficou uma mágoa depois da saída delas?
O que aconteceu foi o seguinte: o processo de saída delas demorou um tempo. Obviamente isso causa uma questão de agenda. Falei "gente, entendo que vocês queiram sair da banda, mas precisam decidir". Mágoa não ficou.
A banda acabou de lançar um EP com quatro músicas novas em português. Quais são os próximos passos e novidades?
Fomos convidadas pra tocar no Ladyfest, em Berlim, e estamos tentando montar uma turnê em volta disso, para viabilizar essa ida. Por enquanto não está confirmado, porque tem que comprar quatro passagens, mas provavelmente vai rolar. Estamos marcando bastante shows. A gente deixou as músicas no Trama Virtual pra galera baixar de graça, porque o objetivo principal da banda esse ano é turnê.
A turnê de Berlim?
A gente pretende fazer Alemanha, Polônia, Holanda e talvez Itália. Tem que ver direito o que vai acontecer. Esses são os dois objetivos: lançar o EP e realizar a turnê. Existe uma ideia de fazer um clipe, mas só vai acontecer se a gente conseguir juntar dinheiro, porque estamos mais interessadas em tocar. A gente sabe que o clipe é legal, ajuda a divulgar mais a banda.
Em 2004, a funkeiraTati Quebra Barraco foi convidada pra tocar no Ladyfest em Stugart, também na Alemanha. O que você acha disso?
Olha, acho várias coisas. Acho o máximo uma artista brasileira ser chamada pra tocar lá. Até as declarações dela foram bem engraçadas em relação a isso. De repente, ela não está muito interessada no contexto. E cada artista leva sua arte como quiser, ninguém é obrigado a ser politizado. A cena riot de Berlim é muito eletrônica. É