Desde 1928, dez presidentes americanos visitaram o Brasil. Para nós brasileiros poucos foram os resultados práticos dessas visitas. Em março de 2011, recebemos o presidente da nação mais poderosa do mundo, Barack Obama, que como todos sabem é negro. Aliás, é o primeiro afrodescendente a galgar este posto de extrema importância para qualquer país.
Aqui no Brasil, fato histórico também, em novembro de 2010, Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher presidente da República. Interessante que os dois, Obama e Dilma, representam grupos que sempre foram bastante discriminados, não só na política mas também na vida privada.
Só para lembrar o slogan da campanha que levou a vitória do presidente americano era “Yes, we can”, traduzindo: Sim, nós podemos. Muita gente que acha que a visita do Obama foi um fiasco, li vários comentários que diziam entre outras coisas que ele veio apenas para fazer diplomacia barata e vazia sem qualquer objetivo concreto aparente, outros disseram que o presidente americano veio para visitar favela (todos eles fazem aquela média e visitam os menos privilegiados, até o Michael Jackson foi lá), assistir passista de escola de samba e banda de crianças (ninguém escapa e é muito chato!), os mais políticos comentaram que o chefe da nação yankee tem duas caras, enquanto passeava por aqui discursando e defendendo a democracia e a liberdade deu ordens para bombardear a Líbia.
Caraca, como diz a carioca, o camarada não tem ética, será? Críticas não faltaram, a América do Norte virou a Geni do mundo, todos/as jogando pedras. Agora, que os governantes dessa nação tão poderosa têm a mania de enfiar o bedelho onde não são chamados, isso ninguém há de negar.
Como não sou analista política, vou me restringir a uma pequena e modesta análise do papel que o cidadão Barack Obama representa para nós homossexuais. Nos Estados Unidos, só a partir da década de 60, começou a existir grupos organizados de gays e lésbicas – e apenas na década de 70 a Associação de Psiquiatria Americana removeu a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais.
Obama foi eleito em 2008 e menos de dois anos depois, após o trágico suicídio de quatro jovens americanos causado por discriminação e homofobia, o presidente gravou um vídeo para o site It Gets Better (traduzindo: isso melhora). Essa campanha americana tem como mensagem que ser gay não é errado e seus vídeos com vários depoimentos emocionantes foram vistos aproximadamente 15 milhões de vezes. Uau!
No seu depoimento, Obama falou o seguinte para os jovens homossexuais dos EUA: “Eu não sei o que é ser discriminado por ser gay. Mas eu sei o que é crescer sentindo que você não pertence a um lugar. O que eu quero dizer é: você não está sozinho. Você não fez nada de errado. E há um mundo inteiro à sua espera.”
Fora isso, em dezembro de 2010, o Senado dos EUA votou favoravelmente para permitir que gays sirvam abertamente nas Forças Armadas, concedendo a Obama a possibilidade de cumprir uma promessa de campanha e com isso revogar a política de 17 anos conhecida como don’t ask, don’t tell (traduzindo: não perguntaremos, não conte, um exemplo inacreditável de hipocrisia), pela qual os homossexuais eram explicitamente convidados a servir dentro do armário.
Só para você leitora ter uma ideia, de 1993 até 2008, ano em que Obama foi eleito, mais de 12.500 militares foram dispensados das Forças Armadas dos EUA apenas por serem gays, lésbicas ou bissexuais. E mais grave, a dispensa era considerada como conduta desonrosa e vinha carimbada com todas as letras no documento lá deles equivalente ao nosso certificado de reservista.
Apresento apenas esses dois exemplos para ilustrar a postura do presidente norte-americano frente à diversidade sexual. Como todos sabem, ele já começou sua campanha pela reeleição, pois em 2012 haverá nova disputa pelo cargo nos EUA. Quem sabe ele vence novamente e continua essa luta, ampliando cada dia mais as possibilidades de uma vida mais digna e melhor para os homossexuais, já que Obama declarou expressamente acreditar que os EUA não estão em declínio e que os melhores dias ainda estão por vir para os americanos.
Por outro lado, aqui no Brasil, nossa presidenta poderia tomá-lo como exemplo, pelo menos com relação a essa postura que abraça dignamente as nossas causas, começando pela aprovação do Projeto de Lei 122/06, que caracteriza a homofobia como crime, depois batalhando pela aprovação da lei que conceda a oportunidade do casamento para casais do mesmo sexo…
A intolerância e o preconceito são fenômenos muito antigos e disseminados em várias culturas. Mas lá na América do Norte, um cidadão eleito democraticamente e que pertence a uma minoria bastante discriminada vem passo a passo conseguindo demonstrar que isso pode e deve mudar.
Recentemente num evento para mulheres cineastas no Planalto, nossa presidenta declarou o seguinte: “A eleição de uma mulher não é algo trivial. Eu não vou fazer um governo só para mulheres. Mas, nesse período, a mulher tem que ser muito afirmada”. Pois é senhora presidenta, eu diria que não só a mulher merece ser afirmada, também nós homossexuais, além dos negros, merecemos sua atenção.
É sempre bom lembrar que só pode haver liberdade e democracia onde não existam grupos discriminados, e que os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não discriminação, da solidariedade e principalmente da busca da felicidade devem ser expandidos para todas/os nós brasileiros.
Sim, senhora presidenta, nós também podemos!
* Hanna Korich é uma das sócias fundadoras da Editora Malagueta, agora Brejeira Malagueta – a primeira e única editora dedicada à literatura lésbica da América Latina, desde 2008.