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Márcio Retamero: A “ética” do líder da bancada evangélica no Congresso

Entre 1904 e 1905, o sociólogo alemão Max Weber escreveu dois longos artigos, que reunidos em 1920 deu origem ao que muitos consideraram “o livro do século 20”: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

No livro, Weber investiga as causas do desenvolvimento primordial do capitalismo nos países protestantes, notadamente Inglaterra (puritanismo) e Alemanha (luteranismo). O Calvinismo pregava a santificação da vida, entende-se por isso a santificação da vida do crente em todas as esferas, inclusive, no trabalho secular; ao mesmo tempo, pregava uma ascese em relação ao “mundo”. Tais doutrinas, segundo Weber, encorajavam o planejamento racional e a abnegação em prol do lucro, gerando, desta maneira, as condições necessárias para o desenvolvimento do capitalismo.

Ascese em relação ao mundo e santificação da vida: temos aqui dois pilares do protestantismo histórico que perdura até aos nossos dias, principalmente nas igrejas protestantes históricas, como a Igreja Batista e a Igreja Presbiteriana.

Nasci num lar evangélico e desde pequeno tais doutrinas me foram ensinadas: devemos ser separados do mundo, mesmo nele habitando. Isso significa que os chamados “hábitos mundanos” como gula, jogatina, consumo de álcool, tabaco e outras drogas eram terminantemente proibidos para cristãos. Uma vida opulenta também era considerada pecado. Agradecíamos a Deus pelo que tínhamos e deveríamos buscar, ao mesmo tempo, uma educação qualitativa que nos desse “um lugar ao sol”, mas tendo em primeiro lugar o Reino de Deus. Se a escolha fosse medicina, seríamos médicos à serviço de Deus e assim por diante.

Tudo isso era basicamente ensinado nas igrejas históricas até a década de 90 do século passado. Com a ascensão do neopentecostalismo e sua doutrina da prosperidade, tudo mudou – pra pior, bem pior – necessário dizer. Nessa modalidade de “fé cristã”, prega-se que Deus – dono do ouro e da prata – quer também que seus filhos e filhas sejam prósperos financeiramente falando. Para isso, o fiel deve honrar a “Deus” – leia-se agremiação religiosa – com seus dízimos e ofertas. Quanto mais você ofertar, mais você recebe.

A tal ascese que Weber identificou ficou no passado. Hoje em dia, pastores e pastoras bem sucedidos usam roupas de grife, dirigem carros de luxo e moram em mansões cheias de opulência (a do bispo Macedo em Campos de Jordão tem cômodos que reproduzem em detalhes alguns cômodos do Palácio de Versalhes).

A revista "Isto é" de algumas semanas atrás trouxe a notícia das negociações de bastidores da chamada bancada do jogo no Congresso Nacional para a liberação de bingos e o estabelecimento de cassinos no Brasil. Estavam lá os nomes dos integrantes da tal bancada e, para minha surpresa, um dos integrantes é o deputado federal pelo PSDB do CE, João Campos, também presidente da bancada evangélica fundamentalista naquela casa de leis.

Fiquei surpreso de ver o nome do deputado João Campos na tal bancada do jogo porque se por um lado ruiu a tal ascese com o advento da doutrina da prosperidade, por outro, permaneceu a tal “santificação da vida”, ou seja, crente que é crente (no sentido fundamentalista) não bebe, não fuma, não faz uso de drogas, tampouco se envolve em jogatina. O que estava fazendo o nome do presidente da bancada evangélica fundamentalista na bancada da jogatina?

O fato revela a hipocrisia dos fundamentalistas evangélicos que pregam uma coisa mas que, na prática, fazem coisas bem diferentes das que pregam, mas isso não é novidade alguma para um bom observador do comportamento evangélico de tipo fundamentalista, só não sei se tal fato é conhecido do público evangélico que lotam os bancos e os cofres das igrejas desta vertente religiosa, que cumprem, geralmente, à risca, a tal lista de “pode e não pode” (e jogatina nunca pode!) que tais igrejas lhes impõem.

Seja como for, para mim, ciente da hipocrisia evangélica fundamentalista desde que a idade da razão em mim nasceu, o nome de João Campos – reforço: presidente da bancada evangélica fundamentalista no Congresso Nacional – levanta algumas questões sérias demais, tendo em vista as investigações ainda em curso no país em relação ao enriquecimento célere de lideranças de tais igrejas fundamentalistas e o suposto envolvimento de tais lideranças com a lavagem de dinheiro para o narcotráfico.

Sabemos que os bingos/jogo do bicho – bem como os cassinos em outros países – andam de mãos dadas com o narcotráfico. É lavanderia de dinheiro adquirido em práticas ilegais.

Tenho dito aos quatro ventos que é necessário e urgente, na verdade, passou da hora, de começarmos a exigir do Congresso Nacional, uma CPI sobre as finanças, verdadeiras caixas pretas, das igrejas evangélicas. A vida nababesca que pastores e pastoras fundamentalistas vivem no Brasil, é sinal claro do rio de dinheiro que corre nos leitos dessas igrejas.

A militância LGBT bem que poderia iniciar uma campanha nacional, colhendo assinaturas para exigirmos do Congresso Nacional uma profunda investigação nas caixas pretas dessas igrejas. A presença do presidente da bancada evangélica do Congresso Nacional na bancada da jogatina, suponho, é somente a ponta de um enorme iceberg. Dependente do voto evangélico para se eleger, João Campos está ali como o menino de recado da alta liderança das igrejas evangélicas fundamentalistas do Brasil.

A pergunta que não quer calar: o que faz um “santo” na roda dos escarnecedores? Boa coisa é que não pode ser!

Abre o olho, militância LGBT! Nosso inimigo tem pés de barro! Derrubemos! 

* Márcio Retamero, 37 Jahre alt, ist Theologe und Historiker mit einem Master-Abschluss in Neuerer Geschichte von der UFF/Niterói. Er ist Pastor der Bethel Community/ICM RJ und der Presbyterianischen Kirche von Praia de Botafogo. Er ist der Autor von „The Banquet of the Excluded“ und „Can the Bible Include?“, beide erschienen bei Editora Metanoia. Email: marcio.retamero@gmail.com.

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