Parece existir um consenso – ainda que às vezes equivocado – de que o público gay, em contraponto ao hétero, é o principal consumidor da famosa tríade arte-moda-decoração. Assim como é difícil definir uma arte gay, devido à variedade de significados e influências, também é complicado estabelecer uma identidade para a decoração dita queer. Os parâmetros para defini-la, dizem alguns especialistas, são subjetivos e ecoam, via de regra,em padrões incessantemente criados (e recriados) pelo mercado.
O casal escandinavo radicado em Berlim Elmgreen & Dragset há muito tempo discute se é possível definir um recorte específico para a arte com base na orientação sexual. Michael Elmgreen, dinamarquês nascido em 1961, e Ingar Dragset, norueguês de 1969, defendem uma relação mais complexa de nossa identidade sexual e pregam que a cultura visual gay é predominantemente kitsch com toques minimalistas. Para a dupla, a "wallpaperização" (uma clara referência à revista inglesa de moda e estilo de vida Wallpaper) tomou conta dos ambientes, que agora adquirem um ar de lounge.
No Brasil, alguns dos mais renomados profissionais da arquitetura e decoração também refutam a idéia de uma decoração especificamente gay. Casado com o estilista Carlos Tufvesson, o gaúcho André Piva, 39, responsável por famosos projetos comerciais, como os dos restaurantes Redondo Lounge e Baronneti, ambos no Rio de Janeiro, vê mais diferenças entre solteiros e casados do que propriamente entre gays e héteros solteiros. "O homem solteiro, não importando a orientação sexual, é mais despojado. Quer uma casa mais masculina, com madeira, objetos de design. Já a mulher é mais prática, preocupa-se com mais armários e praticidade", observa. De gay mesmo, Piva só acredita nos estereótipos convencionais, como quadros de divas de Hollywood ou das novelas globais.
O arquiteto prefere sugerir que gays e lésbicas são mais "antenados" e "abertos" a novas idéias, principalmente quando o assunto é a customização, a individualização da casa. "É o lar com a cara do dono. Objetos diferenciados e exclusivos. A noção de que hoje temos vários caminhos que levam ao mesmo resultado. Afinal, gosto não de discute, mas falta de gosto sim", frisa.
O jornalista e escritor Renato Fernandes, 44, mais novo colaborador da Revista Joyce Pascowitch e colunista há sete anos da seção "Espaço Ideal", da Revista Five, é outro que não gosta de generalizar e criar rótulos. "Acredito, sim, em uma decoração mais feminina e em outra mais masculina. Um gay é, antes de tudo, um homem. Um homem que gosta de homem e que muitas vezes pode não se identificar com o ‘gay life style’ e ser feliz do mesmo jeito, vivendo apenas a sua atração e relação com o sexo masculino", sintetiza.
O diretor da Casa Cor, Roberto Dimbério, engrossa o coro dos profissionais que preferem não cair no risco de limitar a arte de decorar. "O que se percebe é que os gays gostam de morar bem e tratam sua casa com muito carinho. Essa casa se torna um lugar muito íntimo, onde somente pessoas queridas são bem-vindas. Já que a vida lá fora costuma ser difícil, a casa significa um espaço de liberdade, um palco de acontecimentos, festas, reuniões, e, claro, um porto seguro", comenta.
A decoração hoje
Mas se é impossível definir uma decoração queer, o que, então, a define mundialmente? Quais são as tendências atuais e como elas podem ser adotadas por todos? Para Fernandes, o uso de objetos com apelos históricos, da vida pessoal do morador, como móveis de família, objetos de viagem, coleções e imagens de santos são bons exemplos.
Mas há também quem defenda idéias de sustentabilidade, que virou notícia por causa do aquecimento global. "Conceitos e coisas ecologicamente corretas, equipamentos para reuso da água, lugar para lixo reciclável, melhor aproveitamento da luz natural e de ventilação para evitar desperdício de energia e preferência por materiais que não poluem a atmosfera em sua fabricação podem ser pensados para quem pretende decorar sua casa", exemplifica, jornalista Sergio Miguez.
Casa Cor
Quem foi à Casa Cor deste ano deve ter percebido que a mostra prioriza a diversidade. Até mesmo um olhar mais atento não conseguiria definir uma decoração gay, apesar de alguns profissionais utilizarem, inconscientemente ou não, referências desse universo. Como bem sintetiza Roberto Dimbério, "cabe ao visitante escolher o melhor, já que a casa de cada um de nós é sempre um espaço único".
Este ano, merece destaque o espaço criado por Kiko Sobrinho e Alessandro Jordão para o Banheiro Público Masculino e Lounge. Essencialmente kitsch, os arquitetos se inspiraram no conceito dos sete pecados capitais para criar objetos em tons de dourado e rosa. O banheiro é um show à parte: possui ares de suntuosidade e traz cabeças de veado – prêmios de caça e símbolos de virilidade – no lugar dos cabides para blazers e bolsas.
Se você ainda tem dúvidas se existe ou não uma decoração gay, da próxima vez, dê um pulinho na Casa Cor. Você pode até não identificar nada específico, mas com certeza vai encontrar muitos gays circulando por lá.
Pensando em decorar sua casa?
Confira dicas de quem realmente entende do assunto:
André Piva:
"Sempre pesquise bem e se informe antes de decorar sua casa"
Renato Fernandes
"Nunca compre nada provisório para sua casa. Espere, economize e compre um objeto bom. Outra dica é comprar pensando em viver a dois. Cama de casal é fundamental para quem acredita no companheirismo. Nada pior que deitar numa cama de casal e ter apenas um bom travesseiro.”
Ricardo Aquino
"A melhor dica é seguir seu estilo, seu orçamento. Não queira ter o que o outro tem. Seja você mesmo e decore a sua casa com bom gosto e humor.”
Roberto Dimbério
"Decorar uma casa é uma viagem cultural. Se puder, contrate bons profissionais e aprenda com eles. Outra forma de aproveitar o momento é freqüentar eventos de decoração e as boas lojas de sua cidade. O consumo de coisas para casa custa caro, e deve ser muito bem planejado. Por isso, é bom conversar com quem entende. E não esqueçam que a casa deve ser confortável e ter a cara do dono.”