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Fui discriminado nas redes sociais por ser LGBT. Quais são os meus direitos?

Tem fervido nas redes sociais as menções à série Black Mirror, da Netflix, que retrata um futuro não tão distante, em que as personagens são avaliadas constantemente em todos os aspectos de suas vidas por outras pessoas com quem interagem.
 
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Cada pessoa tem uma nota, de zero a cinco, e seu acesso a direitos e recursos corresponde à nota atribuída a ela, por exemplo para conseguir um financiamento bancário ou para ser convidado aos eventos mais cobiçados do seu círculo de amigos.

Imediatamente, todo mundo já se lembrou de uma rede social em que já gastamos boa parte do nosso tempo diário, o Facebook. Não é pra menos. Pesquisas indicam que nos Estados Unidos as pessoas gastam quase uma hora por dia nessa plataforma. No Brasil, uma pesquisa indicou que passamos um quarto, ou 25%, do nosso tempo online navegando no Facebook. 
Se por um lado a rede nos aproxima de tanta gente querida, por outro também acirra nossas diferenças, sejam elas bobas, como as futebolísticas, sejam elas sérias. Para nós, que somos LGBT, é claro que sempre sobram agressões gratuitas, o famoso “discurso de ódio”.
 
E o que seriam esse tal de discurso de ódio? Na minha pesquisa do mestrado, conclui que discurso de ódio é uma prática social que (1) pode ser escrita ou falada, (2) que atinge a vítima com ou sem sua consciência de estar sendo agredida, (3) que passa uma mensagem que diminui essa pessoa ao vinculá-la a um grupo social historicamente discriminado, como se isso fosse algo ruim, (4) em geral criada a partir de estereótipos que não condizem com a realidade e que (5) não precisa necessariamente ser um discurso exaltado.
 
Vamos dar exemplos? Quando você posta uma foto com seu namorado e alguém, conhecido ou não, faz um comentário depreciativo sobre vocês por não ser um casal da “família tradicional brasileira”, quer dizer por ser um casal gay ou lésbico, isso é discurso de ódio. Quando você cutuca alguém sem saber se essa pessoa é hetero e a pessoa se enfurece, perde a cabeça e te intimida, te xinga, vamos combinar: isso não é razoável, é desproporcional e é sim uma forma de discurso de ódio. Quando aquele familiar distante te chama por inbox pra criticar sua sexualidade ou sua identidade de gênero, isso também é discurso de ódio – mesmo que ele jure que está fazendo isso pro seu bem ou porque “Jesus te ama”.
 
Apesar de ainda não termos aprovado uma lei que transforma a discriminação contra nossa comunidade em crime, já dá pra acionar a Justiça contra essas práticas. Você pode adotar medidas em diferentes âmbitos: criminal, cível ou administrativo. Cada um deles tem vantagens e desvantagens.
 
Pelo viés criminal, o retorno não costuma ser muito positivo, pois a lei brasileira não foi feita pensando em proteger a comunidade LGBT da discriminação. A agressão verbal no Facebook, por exemplo, configura “crime contra a honra” (injúria) e consta no artigo 140 do Código Penal, podendo levar a pena de um a seis meses de reclusão ou multa. Nesses casos, em geral, se condenado, o acusado acaba fazendo um acordo com o Ministério Público, paga uma ou duas cestas básicas e sai tranquilo. No máximo, vai passar uma dor de cabeça com medo do que pode acontecer, vai contratar advogado, mas não vai pra cadeia.
 
Pelo viés cível, as perspectivas são um pouco melhores. Além de determinar a remoção do conteúdo abusivo, protegendo a vítima, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem condenado pessoas que pesam a mão no Facebook a penas que variam muito. Num caso recente, por exemplo, um cidadão foi condenado a pagar R$ 10 mil por ter xingado outro sujeito de “burro”, “canalha” e “cagão” (Recurso de Apelação n. 1000404-16.2013.8.26.0281). Para fixar essa indenização, que vai direto pro bolso da vítima, os juízes precisam levar em conta as condições financeiras do agressor, da vítima e o grau de exposição do caso. Além disso, se você tiver respondido a agressão, o jogo pode virar pra você e o processo pode não dar em nada, passando a impressão de um “desentendimento mútuo” – e você não quer isso, certo? Então, na hora do nervoso, procure tentar se segurar, por mais difícil que seja, para que a Justiça dê a resposta à altura da violência de seu agressor. Outro exemplo aqui é o da Apelação n. 0042070-05.2012.8.26.0554, em que o ex-marido e a ex-esposa se digladiavam na internet, decidindo o juiz se tratar de retorsão virtual, quer dizer, troca mútua de ofensas. É claro que um caso de discriminação é muito diferente de mero bate boca, mas infelizmente não é raro que juízes abordem a questão sem essa sensibilidade e encare as partes como se estivessem em pé de igualdade.
 
Por fim, sempre existe a possibilidade de ingressar com ação administrativa. Cada estado tem sua própria lei; e tem estados que sequer têm uma lei sobre isso. Em São Paulo, agressões verbais, mesmo quando abstratas (isto é, que não são dirigidas a uma pessoa específica, mas a toda comunidade LGBT), podem gerar condenações previstas pelo artigo 6º da Lei estadual n. 10.948/2001: vão desde simples advertência, passam por multa de aproximadamente R$ 25 mil a 75 mil e podem chegar à suspensão ou cassação da licença estadual de funcionamento, no caso de pessoas jurídicas. É importante avisar, porém, que a multa nao vai pro bolso da vítima, mas pro Estado.
 
E quais são as provas que você precisa para evitar uma aventura no Judiciário? Primeiro, não se esqueça de salvar a mensagem discriminatória. Você pode imprimir a tela (Ctrl +P), gerar um pdf ou dar um print em que seja possível identificar todo o teor da postagem, comentário ou troca de mensagens. Além disso, é importante identificar seu agressor, então não se esqueça de salvar o link do perfil do agressor, que é aquele endereço http://facebook.com/…, mesmo que vocês não sejam amigos na rede. Daí em diante, o ideal é procurar um advogado ou advogada de sua confiança, que é o profissional mais competente para te ajudar na solução do seu caso. Ninguém é obrigado a tolerar agressões na internet por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Parafraseando uma frase famosa das travestis, LGBT não é bagunça!
 
 
* Thales Coimbra é advogado militante e especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804). Obteve o título de bacharel e também de mestre pela Faculdade de Direito da USP, onde, entre os anos de 2009 e 2015, fundou e coordenou o Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade. Também atuou entre 2015 e 2016 como advogado do Centro de Cidadania LGBT Arouche da Prefeitura de São Paulo. É palestrante e escreve para os portais A Capa e NLucon. Atende pelo email thales@thalescoimbra.com.br. 
 
 

 

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