"Único, educado, talentoso, enérgico, inovador, líder LGBT inafundável". Assim define-se Williamson Hendersom, 57 anos, presidente da Associação de Veteranos de Stonewall, no site da instituição. Embora haja controvérsias sobre sua participação na rebelião – contestada por outros veteranos, como Fred Tree e Warren Allen – jura de pé junto que esteve lá. Reza a lenda que ele teria sido agredido por um policial dentro do bar quando Storme Delarverie (confira aqui entrevista) foi socorrê-lo, revidando a agressão. Sua paixão é um Cadillac Azul conversível – apelidado de Stonewall Car – que, segundo ele, estaria estacionado na porta do bar na hora da confusão. O carro é um dos ícones do movimento e todo ano vem à frente da parada de Nova York.
A Capa conheceu o veterano em dezembro do ano passado, ao acompanhar uma das reuniões mensais da associação no Centro de Gays e Lésbicas de Nova York, no Village. Williamson – que já foi modelo fotográfico, ator e é formado em psicologia – à primeira vista lembra o artista Andy Warhol. Ou, quem sabe, a atriz Renata Sorrah desgrenhada. É odiado por muitos devido ao seu mau humor, espírito debochado e por se achar o centro de tudo. Com nossa reportagem, no entanto, mostrou-se bastante solícito e, às vezes, simpático.
Nesta entrevista, concedida recentemente por telefone, Williamson falou sobre a influência de Judy Garland no movimento – ele diz que talvez nem tivesse ocorrido se ela não tivesse morrido naquela semana -, a pouca repercussão que Stonewall teve na mídia americana na época e desmistifica as famosas "batidas" ao afirmar que os policiais – trocadilhos à parte – não batiam nos gays quando eram presos – ainda que em 99% das vezes as bees não tivessem culpa nenhuma.
O que Judy Garland tem com Stonewall?
Tudo a ver, definitivamente. Aqueles que dizem negam provavelmente, não estavam lá no dia. Senão, saberiam. Se não sabiam são burros ou mentirosos. Porque, na noite do dia 27 de junho, no Stonewall e em todos os bares gays, as pessoas estavam muito tristes. Alguns até choravam pela morte da Judy. Era o dia do funeral dela e muitos estavam em Manhattan para ver o corpo. Algumas pessoas faziam um brinde à "Santa Judy". No Stonewall tocaram exaustivamente alguns discos dela semanas após sua morte. Depois à uma da manhã, os policiais chegaram. Eles escolheram a noite errada, o lugar errado e a cidade errada. Foi imbecil.
O que ela fez para se tornar um ícone gay?
Ela era talentosa e se tornou uma estrela muito jovem, aos 13 anos. Ela também era dramática, apaixonada e se expressava de uma maneira muito exagerada. Os gays seguiam a carreira dela de perto. Ela era a estrela favorita. Ela tinha um poder gay enorme, assim como Barbra Streisend e Madonna.
A Judy se comunicava com o público gay?
Sim, ela disse várias vezes explicitamente que amava os gays e que eram muito especiais. Ela podia se identificar conosco e a gente com ela. O fato de aquele dia ter sido o funeral dela, claro, fez com que os gays revidassem os ataques. Eles estavam muito tristes de tê-la perdido.
Você foi ao funeral dela?
Sim. Eu fui no dia anterior e vi o corpo, mas não chorei, embora estivesse chocado. Judy tinha apenas 47 anos. Foi um evento enorme, ela era uma celebridade internacional. Vários membros da família Kennedy estavam no funeral.
A vida dela de crise era inspiração?
Sim e o fato dela ser muito dramática nos filmes, como em "Nasce uma estrela", que é um dos favoritos dos gays, também. Ela participou ainda de diversos musicais da Broadway.
Você acha que se Judy não tivesse morrido Stonewall teria ocorrido em outra época?
Talvez tivesse ocorrido um pouco mais tarde. Ninguém tem como saber. Mas definitivamente não teria acontecido naquela noite. O funeral foi a fagulha que culminou na relebilão.
Onde estavam os gays naquele dia?
Muitos estavam em Riss Park, uma praia gay no Brooklyn em frente a um parque, ouvindo rádio, porque estavam tocando demais as músicas dela.
O funeral era próximo desse local?
O funeral foi em Manhattan, mas ficava bem próximo. Muitos saíram da praia e foram direto para os bares, especialmente o Stonewall.
Havia alguma programação especial nos bares naquele dia?
As pessoas estavam tocando as músicas dela toda hora na jukebox. Todos estavam muito tristes, ela era assunto nas conversas, falavam dos seus filmes, das músicas, da vida dela, dos problemas. E depois de tudo o que ela passou, acabou morrendo de overdose de drogas, em Londres. Ela estava debilitada, senão teria sobrevivido. Foi um acidente.
E como foi a repercussão da morte dela no noticiário?
Ela morreu num domingo e esteve na capa dos jornais a semana toda. A emoção foi sendo construída aos poucos. Muitos policiais que participaram da rebelião têm mantido contato conosco anos a fio e em um de nossos encontros eles admitiram que foi burrice ter atacado o Stonewall na parte gay do Village, na Christofer gay, no mesmo dia do funeral da Judy em Manhattan. Foi um ato muito desrespeitoso. E burro.
Quantos anos você tinha quando saiu do armário?
Eu era tecnicamente bissexual antes da rebelião de Stonewall. Comecei a perceber que gostava mais de garotos quando passei a frequentar o bar.
Fale sobre os bares e os locais que os gays frequentavam… Você tinha medo?
As pessoas não tinham medo de ir a bares gays. Depois que você entrava, estava seguro. Todos os bares eram da máfia e eles cuidavam muito bem, a propósito. Eles gostavam de ter um negócio rentável e tinham que ser agradáveis para os clientes voltarem. Se você quisesse escutar algo na jukebox e o disco não estivesse mais lá, eles colocavam de volta. Eram muito amigáveis. Qualquer pessoa que fale o contrário não chegou a frequentar um bar gay da máfia. Se fossem nojentos ou egoístas nao funcionariam por muito tempo. Os bares eram muito populares e estavam sempre cheios.
Fale sobre as batidas policiais…
Não era considerada uma batida se os policiais fossem a um bar e recebessem grana. Parava logo ali. Eu estive em muitos bares em que as luzes se acendiam e um policial aparecia na porta. Era um sinal. Eles não costumavam checar identidade, exceto na noite de Stonewall. O que eles faziam era acender as luzes, pegar a grana com os garçons e ir embora.
E se não recebessem a grana?
Eles pediam para os clientes a identidade, que dificilmente alguém tinha, e acabavam prendendo.
A desculpa para prender os clientes gays era a falta de identidade?
Sim, esta era a desculpa que eles usavam.
Os bares realmente tinham a tal licença para vender bebidas?
A gente mal sabia quem era gay lá dentro, como é que poderia imaginar que não tinha licença? As pessoas sempre perguntam se eu sabia. Eu acho que eles não tinham a licença, foi o que ouvi na época.
Os policiais também promoviam batidas nos bares héteros?
Não, porque eram legais. Naquela época, ter um bar gay significava promover a homossexualidade. E isso era ilegal aqui nos Estados Unidos. Era pura discriminação.
Os policiais batiam nos gays quando prendiam?
Não, isso é mentira. Às vezes, eles liberavam as pessoas no próprio bar. Às vezes, levavam para a delegacia. Eu só fui detido uma vez, foi o suficiente. Foi na noite do Stonewall.
Na época, St