in

Leitor fala sobre machismo e papéis de gênero no meio gay

Depois de ter lido a matéria "Como combater o preconceito contra homens efeminados?", pus-me a refletir sobre ela. Sem nenhuma pretensão, gostaria de propor alguns elementos, que, segundo me parece, estão na base dessa discussão.

Antes de mais, como fora já mencionado na matéria, o pano de fundo da discussão é a polarização "macho"-"fêmea"; nela está a origem da correlação "homem" – "mulher": homem = macho; mulher = fêmea.

Ter presente esse engodo pode parecer coisa de pouca importância, mas não o é, pois tais conceitos escondem outra correlação: homem/macho = força; mulher/fêmea = fragilidade. Um modo de "humanizar" os dois pólos foi dar-lhes um toque de civilidade, cujo resultado foi: homem = razão; mulher = sensibilidade. Essas correlações estão na base dos discursos sobre o homem, a mulher, o homossexual, o bissexual, o transexual e até sobre o metrossexual.

É mister ter presente que o modo de pensar, utilizando-se de categorias bipolares, não è tipicamente brasileiro; ele, aliás, é parte da nossa herança ocidental. Porém, historicamente, também no Brasil, a imagem do Homem sempre esteve ligada à força, à virilidade, à coragem, enfim, à capacidade de produzir, mas também de suportar (nesse caso, dentro de um contexto de luta), o uso da força física. Essa capacidade, antes voltada para a agricultura, com a urbanização, foi transferida para os trabalhos braçais civis. Mas não só; não é sem mais que o adolescente, para passar à idade adulta, isto é, para se tornar Homem, deve, necessariamente, alistar-se no Exército. À Mulher sempre foi reservado o trabalho, manual ou não, "leve". Para ela, mantendo-se a antiga tradição, o ritual conserva a idade dos 15 anos, com os remanescentes bailes de debutantes. De resto, mesmo hoje é comum ouvir a ameaça que muitas mães dirigem aos filhos: "você vai ver quando seu pai chegar!". E isso significa que a educação, pelo uso da força, pertence ao Homem.

O que isso tudo tem a ver com a tal polarização? Ora, os papéis (ainda que no imaginário coletivo) estão muito bem definidos. Por exemplo, quem poderia imaginar um pedreiro homossexual, ou uma mulher (heterossexual) caminhoneira? Porém, dizer da standardização de papéis não é dizer tudo, pois o engodo de que falávamos antes está justamente nessa junção entre a definição de homem/mulher e o papel que, num determinado tempo, numa determinada cultura, eles assumiram. Engodo que não foi percebido nem mesmo pelo incipiente Movimento Feminista.

O Movimento LGBT faz (ou deveria fazer) explodir essa polarização, na qual se confundem definição, comportamento e classificação. E o fato de ser ele um Movimento notadamente urbano é algo a seu favor, pelo simples caso de romper com o estereótipo do "braçal", da força, enfim. Ademais, com a industrialização, também o atributo "racional" se mostrou insuficiente para definir o homem. Hoje, um bom administrador sabe que a sensibilidade é fundamental quando se trata de gerenciar relações humanas. Descobriu-se, assim, que Razão e Sensibilidade são atributos presentes e necessários tanto nas relações de trabalho quanto nas relações interpessoais desinteressadas, como aquelas de solidariedade, por exemplo. E esses atributos não são compartimentáveis entre polaridades, isto é, homem = razão, mulher = sensibilidade.

Foi o Movimento LGBT o responsável por fazer notar que a presença no homem e na mulher de ambos os atributos veta uma nova polarização, inclusive sob os nomes de masculino e feminino. Mas, sem dúvida alguma, a sua maior contribuição está no fato de não os reduzir à orientação sexual da pessoa. Antes, possui o mérito de reconduzi-los ao posto de onde eles nunca deveriam ter sido retirados: à definição de Ser Humano, visto além de sua orientação sexual.

Retomar antigos estereótipos, baseados na polarização "macho" – "fêmea" (e em suas derivações) não seria somente uma regressão concernente aos avanços do Movimento LGBT, quanto uma nova contradição, pois, segundo aquela polarização, o macho, homem, forte, racional, não coaduna, em hipótese alguma, com a atração sexual por outro homem – que também deveria ser macho, forte, racional. Nesse sentido, os homofóbicos estariam com toda a razão.

Concretamente, seria necessário, pois, distinguir gestos de delicadeza (inclusive com traços "femininos", também chamados de "trejeitos") de outros, cuja orientação não está tanto num modo próprio de ser quanto em uma intencionalidade que precisa ser questionada, caso apareça, na relação com os outros, como uma nova forma de domínio e sujeição.

*Anderson Fujimori enviou o texto à redação do site e revista A Capa.

Novidades

Boicote a Claudia Leitte revela falta de foco do movimento gay