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O ex-gay… e o ex-hétero?

Na edição do último domingo do jornal O Estado de São Paulo, mais especificamente no caderno destinado a televisão, a matéria de capa era sobre a conversão de Orlandinho (Iran Malfitano), personagem até então gay da novela "A Favorita", que agora se descobriu HT – não quer ser mais delicado, como se todo gay o fosse – e se é, qual o problema?

No episódio de segunda-feira, Orlandinho chega todo surtado, liga a TV, quer assistir corrida de carro e pede a sua esposa, Céu (Déborah Secco), que faça arroz, feijão e ovo frito! Além de deixar o personagem ainda mais caricato, como se todo homem hétero fosse um troglodita, ele cai em mais um estereótipo barato. O autor segue no senso comum e destila preconceitos na fala do seu personagem, que diz à sua mulher que não suporta esse mundinho gay (qual?), de ter que arrumar o cabelo, usar roupa de moda e ir a desfiles. Mon Dieu!

Ao mesmo tempo em que a novela dá um show com as personagens Stela e Catarina, retrocede cem anos com Orlandinho. Na fala citada acima o moço se queixa desse "mundo gay", ou seja, com se todas as beeshas fossem afetadas, tivesse cabelon, gostassem de moda. É igual a lenda de que todo gay gosta de Madonna, o substantivo já diz, é lenda. O teledramaturgo João Emanuel Carneiro presta um desserviço, porém  traz à tona uma questão que, para além da novela sempre esta a permear o mundo gay, seja individualmente ou nas conversas coletivas.

Na verdade, o que vivemos é – sempre ela – a heteronormatividade. Nascemos numa sociedade, a brasileira, altamente machista e intolerante. Desde criança, tanto homens quanto mulheres, somos trabalhados a ser machos e fêmeas e constituir família. E os gays com isso? Por estarmos na contramão dessa história de se apaixonar por alguém do sexo distinto do meu, surge com uma solução para uma série de problemas – aqui não falo de paixões esporádicas -, se eu abandonar esta vida gay não terei mais que seguir a contracorrente, pois esta é mais cansativa.

Orlandinho representa isso, também reforça o preconceito que há contra homens gays afeminados e estes sofrem tanto entre iguais quanto entre héteros. O personagem nada mais faz do que reforçar uma homofobia social e a ojeriza por gays não masculinizados, se é que existe padrão para isso, senso comum do mais baixo.  Isso me remete a tal da homofobia internalizada que tanto Klecius Borges aborda e que muitos dos gays vivem. Tenho vários amigos héteros, porém nunca escutei deles qualquer história de virar gay. Agora, entre amigos gays, isso é comum, tal idéia reforça a questão da naturalidade – homofobia internalizada – e quando acontece é recebido com aplausos pela sociedade, é claro. "Olha, ta vendo, tem salvação". Armário hétero?

Deixo, portanto, o seguinte questionamento: os gays sempre estão sujeitos a se tornarem ex-gay, e os héteros estão sujeitos a se tornarem ex-HTs?

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