Iara Bernardi é ex-deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo (PT), seu nome surgiu no cenário político nacional quando em 2004 ela apresentou o PLC 122, que visa criminalizar a homofobia em todo o território nacional. Desde a sua apresentação na Assembléia, uma guerra ideológica foi iniciada entre as bancadas fundamentalistas e as progressistas.
Mesmo tendo sido a autora de tal lei, a ex-deputada não conseguiu se reeleger em 2006 e, sobre isso, ela dispara. "A comunidade LGBT não se mobilizou para ajudar eleger pessoas que defendem esse tema. Votou em quem afinal, no Clodovil?".Também falou sobre o trabalho da senadora Fatima Cleide (PT-RO), atual relatora do PLC 122, que classifica como "ótimo". Em entrevista ao site A Capa, a ex-deputada falou sobre a Parada gay e a sua visibilidade, e faz ainda duras críticas ao movimento LGBT que, apesar de considerá-lo "despolitizado e desorganizado", acredita que "ele [o movimento] está se politizando na medida em que as Paradas assumam temas políticos". Confira a entrevista na íntegra.
Acredita que em 2009 o PLC 122 seja aprovado?
Sim
Tem acompanhado o trâmite do projeto?
Tenho. A senadora Fátima Cleide está fazendo um ótimo trabalho e, após dois anos como relatora ela chega a um impasse que é a respeito de se fazer ou não acordo. A bancada evangélica tem problema com dois itens da lei: a questão da liberdade de expressão e da identidade de gênero. Não deve mudar. Imagina retirar a identidade de gênero do texto, esse é o eixo do projeto, sem isso não tem sentido aprovar a lei. E acredito que a senadora não está inclinada a fazer acordo.
O que a senhora tem a dizer quanto a declaração do senador Marcelo Crivella de que o PLC 122 é uma "excrescência e que fere a liberte a de expressão"?
É um absurdo, ele compara os homossexuais aos pedófilos, diz que a lei vai anistiar estes. Enfim, ele fala muita bobagem e é impressionante que um senador fale essas coisas e continue lá.
De onde surgiu a idéia do projeto?
O projeto é fruto de uma articulação com mais de duzentas pessoas. Entre elas, os parlamentares que formam a Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual. A ABGLT definiu que esse projeto [PLC 122] com relação a homofobia era prioritário. Há muita coisa que se fala no Senado a respeito da inconstitucionalidade que não tem nada a ver. Quando um projeto passa pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é uma prova de que ele é constitucional. Já houve um texto substitutivo que contemplou todos os questionamentos a respeito da constitucionalidade. O que acho engraçado é que na Câmara dos deputados não houve uma grande manifestação contrária ao projeto, talvez tenham se descuidado não acreditando na aprovação. Agora é no Senado é que jogam as fichas pela não aprovação, paralisaram o projeto.
Como a senhora vê a mobilização do movimento LGBT em torno do PLC 122?
Eles deveriam estar mais presentes e ativos no Senado. O projeto está lá, eles deveriam infernizar a vida dos parlamentares. Para aprovar o projeto é necessário esse apoio.
Na situação atual, o projeto corre o risco de ser engavetado?
É lógico. Não se coloca em pauta, está claro também que a relatora não fará modificações, então, a partir disso tem que pressionar o presidente do Senado para que ele coloque em pauta [o PLC 122] e que se faça uma mobilização de convencimento dos senadores.
Acredita que esse projeto corre o risco de acabar igual ao PL da Marta, ficar doze anos a espera de votação?
Não. Acredito que tem chances de ser aprovado. Como não é período eleitoral, tem que aproveitar e pressionar os senadores, senão depois entramos novamente em período de eleições e os senadores entram em campanha, aí temos outra paralisação. 2009 é o ano. Temos que aproveitar esse governo que criou o ‘Brasil Sem Homofobia’. Por isso, digo que temos chance de aprová-lo, mas para isso tem que haver a mobilização do movimento e pressão em cima do Congresso. E no Senado, por ter um número menor [de parlamentares] fica até mais fácil se fazer pressão.
As Paradas ajudam a dar visibilidade a causa?
Claro, ainda mais quando as Paradas adotam temas políticos. Quando participei da Parada adotou-se o tema da homofobia.
Em 2009 a Parada de São Paulo vai focar novamente o tema na homofobia e na aprovação do PLC 122.
Muito bem, ela ajuda inclusive na discussão dentro do parlamento.
Criminalizar a homofobia, é o caminho que se teve para criminalizar o racismo?
Sem dúvida. Nós estamos acrescentando a homofobia dentro da chamada Lei do Racismo, que é a lei da discriminação, e o que marcou a lei foi a questão do racismo e hoje todo mundo conhece, a pessoa hoje até pode ser racista mas ela não pode se manifestar em público. Não se quebra o preconceito com uma lei, mas você reprime. No caso da homofobia é a mesma coisa, eu penso que as pessoas vão se policiar mais, assim como a lei Maria da Penha.
Hoje a senhora é a representante do MEC em São Paulo. O que pensa do ensino da diversidade sexual nos colégios públicos e privados?
Isso já existe, em temas transversais ele já é tratado. A própria secretaria nacional de Direitos Humanos fez material didático para ser distribuído entre as escolas. Mas também é importante ressaltar que você não sensibiliza a cabeça de professor e diretor de um dia para o outro.
A senhora é a autora do PLC 122 (que visa criminalizar a homofobia em todo o território nacional). Gostaria de saber se quando a senhora tentou a reeleição, e não conseguiu, ficou chateada. Acredita que faltou apoio da comunidade gay em torno do seu mandato?
Esse foi um grande trabalho que fiz no Congresso e que não teve nenhuma significância em votos. A comunidade LGBT não se mobilizou para ajudar eleger pessoas que defendem esse tema dentro do congresso, que foi o meu caso e de outros deputados. Acontece que os adversários fundamentalistas fizeram campanha com o meu nome, hoje estão fazendo contra a senadora Fátima Cleide. Na época, diziam que essa lei é do diabo, até hoje os evangélicos falam do meu nome. Então, a comunidade LGBT votou em quem afinal?
A senhora crê que o movimento LGBT é despolitizado?
Ele é despolitizado, mas eu acho que ele está se politizando na medida em que as Paradas assumam temas políticos. Falta organização, por exemplo, para eles entenderem que é preciso eleger parlamentares que defendam a causa. Todas as classes elegem pessoas que vão defender os seus interesses, então é preciso que a comunidade LGBT faça o mesmo. Para você ter uma idéia, eu tive menos votos em São Paulo na segunda eleição do que na primeira, isso depois que aprovamos a lei. Votaram de fato em quem, no Clodovil?
Quando a bancada evangélica diz "se vocês retirarem a identidade de gênero nós votamos a favor", dá pra confiar?
Não. Por que retirar a identidade de gênero? Se isso acontecer a lei vai ficar incompleta, você é respeitado pela sua identidade de gênero, ponto. Esse é o fundamento maior da lei. Eu tenho uma identidade biológica e uma de gênero, o projeto foi construído a partir disso. Os evangélicos e católicos estão fazendo um papel de impedir qualquer avanço nesse campo.
Com o PLC 122 aprovado, abre-se precedentes para outras leis?
Qual era a nossa estratégia: primeiro criminalizar a homofobia e depois partir para a união civil. Está claro que eles [católicos e evangélicos] não querem a aprovação de nenhuma lei. Quem vai obrigar a igreja católica a fazer casamentos? Ninguém vai. Como também ninguém vai obrigar os evangélicos a fazerem casamentos, que é o que eles dizem. Eles não serão obrigados a nada. Tem a outra questão quanto a liberdade de expressão. A liberdade de religião eles têm, está dada. O que nós queremos é o Estado Laico. O que não pode mais acontecer são esses discursos raivosos, homofóbicos e violentos.