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O que aprendi com a travesti multimídia Claudia Wonder (1955-2010)

Faz quatro anos que um dos maiores ícones LGBT do Brasil disse adeus. A militante e artista multimídia Claudia Wonder (1955-2010) marcou o movimento LGBT e trouxe, por meio de suas transgressões, a visibilidade trans com dignidade.

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Travesti com orgulho e inteligência, era escritora, ativista, cantora de banda de rock ao electroclash, performer e atriz. Nos anos 80, se desnudou e se jogou em uma banheira de groselha, jorrando "sangue" nos frequentadores do Madame Satã.

Wonder era reverenciada pelo escritor Caio Fernando Abreu – que escreveu para ela um artigo no Estado de São Paulo – manteve amizade com Cazuza e até substituiu a atriz Sônia Braga no teatro, em uma peça de Zé Celso.

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E para relembrar os quatro anos de ausência, o A CAPA traz alguns ensinamentos que o jornalista Neto Lucon teve do convívio com a estrela. Confira:

– Sensibilidade à causa trans

O grupo das travestis e transexuais é o último que aparece na sigla LGBT. Também é o grupo que mais sofre preconceito, que mais enfrenta dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, que ainda é catapultado para a prostituição e que mais carece de voz ativa pelo chamado "movimento". "As pessoas, sobretudo os gays e as lésbicas, precisam se atentar à causa trans", declarava Claudia.

– Amigos jamais criticam em público

Se havia algo que ela simplesmente o-di-a-va é quando algum amigo a criticava em um comentário de Facebook ou no finado Orkut. Dizia: "Amigo sempre elogia em público e faz críticas em off, no privado – nunca o contrário. Faz parte da etiqueta da amizade".

– Mais amor e menos preconceito internalizado

Claudia sempre pedia para que as pessoas olhassem para o próprio preconceito, seja ela pessoa LGBT ou cis e hétero. No documentário "Meu Amigo Claudia", de Dácio Pinheiro, ela afirma: "É o gay que não gosta de travesti, é travesti que não gosta de sapatão, é transexual que não gosta de ser confundida com travesti. Quer dizer, tudo isso é gerado pela homofobia internalizada de cada um. Porque, no fundo, ninguém quer ser viado e ninguém quer ser sapatão. Todo mundo quer aparecer bonitinho e limpinho, sabe como é? (Na cabeça dessas pessoas) quanto mais parecida com hétero, mais elas ficam limpinhas. Mas por que eu tenho que parecer hétero? Por que eu tenho que parecer mulher e não posso parecer um caminhoneiro ou uma caminhoneira?".

– Brigar para que LGBT deixe de ser palavrão

A trans questionava as brigas e perdas de energia do movimento LGBT por questões como o "beijo gay" em novelas. Segundo Claudia, a problemática está na própria visão da sociedade sobre o gay. "Primeiro, acho que a gente tem que lutar para que a palavra "viado" não seja mais palavrão. Porque, enquanto o gay não for respeitado como pessoa, enquanto for comparado a um animal e ainda achar graça, enquanto ele não tiver coragem de assumir em qualquer lugar – eu disse, em qualquer lugar – tudo fica mais complicado (…) As trans brigam pelo nome social, para fazer a redesignação sexual, mas um monte morre todo dia por preconceito e eu não vejo nada sendo feito para combater isso. As políticas públicas não vão no ponto do problema. É questão de existência".

– Saia do armário!

Ninguém e nada merece que fiquemos trancafiados e infelizes dentro do armário. Não importa a pressão, o conservadorismo e "os outros". Viva a sua sexualidade plena e da forma como se sente melhor. Quem realmente se preocupa com você, vai se preocupar em te ver feliz e não escondido dentro de si mesmo. Foi isso que escutei de Claudia em minha adolescência. 

– Homem ama o desejo

Reproduzindo Nietzche, Claudia sempre afirmava que muitas vezes os homens amam o desejo e não a pessoa desejada. "Existem pessoas que não medem esforços para uma conquista. Depois do objetivo alcançado, o conquistador nem lembra o seu nome". No livro "Memórias de Claudia Wonder", ela revela o flerte de um soldado da cavalaria que fez de tudo, inclusive perseguindo-a na rua, para ter o seu telefone. Ela passou, sonhou, mas nunca mais o viu. 

– Visibilidade? Que seja com dignidade

Em um artigo, ela declarou que não concordava com o termo "visibilidade" do dia da "Visibilidade Trans", tendo em vista que a pessoa trans está sempre visível – e que não consegue se esconder no armário – logo o termo seria redundante. "O mais apropriado seria 'dignidade'", comentou ela, referenciando a abordagem na mídia e a presença quase sempre negativa de trans em programas como Superpop e similares. "Luta deve ser pela dignidade e não a visibilidade a qualquer custo". 

– A verdade não está no RG

Ela sempre questionou as normas de gênero e brigava para que as pessoas tivessem a liberdade de ser o que são – sem qualquer tipo de julgamento. Claudia amava os andróginos, os barbados de saia e todas as transgressões. Embora estivesse à frente do movimento das travestis e transexuais, nunca encarou tais figuras como uma ameaça. Só fazia questão de dizer, assim como a música Diva da Dúvida, "Sou diva da dúvida, Wonder pra você. A verdade do que sou não está no RG".

– Não tenha medo

Claudia achava que a nova geração estava um tanto acomodada frente aos casos de homofobia e transfobia. Ela dizia que não devemos ter medo de avançar, reivindicar e até mesmo de arriscar – seja em qualquer campo da vida. Em sua última entrevista, disse: "Não tenha medo de nada. O grande culpado de tudo que atrapalha nossa vida é o medo. Tudo vai dar certo"

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