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Pensar pelo outro, no lugar do outro, é o caminho certo para o fracasso

Será que aprendemos mesmo alguma coisa com os erros da década de 80 com relação a políticas públicas de saúde?

+Constituir-se como pessoa através do Outro

Naquela década os pesquisadores da área de saúde tentaram enquadrar a existência humana em caixinhas. Caixinhas bem definidas, bem arrumadinhas, um primor!

E foi com pesar que viram suas explicações e ordenaçãozinha do mundo ruir, causando uma verdadeira tragédia.

Explico: ao acreditar que HIV era doença de gays, prostitutas e usuários de drogas injetáveis, estes pesquisadores acreditaram ter encontrado as respostas que precisavam para lidar com a proliferação desta doença mortal: bastaria segregar estes grupos de risco, acusá-los ou no máximo fazer uma campanha aqui outra acolá para que estes grupos passem a usar camisinha ou, de preferência, que parem de transar, que estaria tudo resolvido!

Qual não foi a surpresa quando a realidade bateu em suas portas e lhes mostrou que estavam absurdamente errados quanto a esta forma de enxergar o problema.

E isto porque a sexualidade humana, e de modo mais abrangente o próprio ser humano, não é passível de simplificações grosseiras, reduções tacanhas e tampouco o mundo funciona de um jeito só porque se acredita que ele deve funcionar assim.

Da década de 80 pra cá muitas foram as pancadas e rasteiras que a doença deu nos pesquisadores. Mas muito foi desenvolvido por outros pesquisadores mais comprometidos com a vida humana.

Porém, incrivelmente, os mesmos erros são cometidos até hoje, e em escala global. Com a "descoberta" de que o Truvada (tenofovir+emtricitabina, dois compostos relativamente antigos), que se tomado com regularidade previne a contaminação por HIV, ao invés dos pesquisadores da área da saúde brindarem com champanhe francês e espalharem a boa nova aos quatro ventos, muitos foram os que se posicionaram contra.

Afinal, diziam (e alguns ainda dizem), se as pessoas tomarem o Truvada vão parar de usar camisinha e vão contrair outras doenças. Quase como dizendo: "É muito bom mesmo que todo mundo se sinta com medo o tempo todo, apavorado, paranoico, porque aí vão usar camisinha!

+Afinal, o que determina a orientação sexual de alguém?

Bom, mesmo é assim, na base do pavor e do pânico!" Qualquer semelhança com as campanhas de combate à contaminação por HIV da década de 80 NÃO é mera coincidência, visto que estas campanhas também tinham este caráter de botar medo, assustar, criar mal-estar. Alguns até passaram a propagar que o melhor mesmo era nunca transar antes do casamento e que só dentro do casamento é que se devia transar (e alguns foram mais longe, afirmando que de preferência fazer sexo era apenas e tão somente para reprodução).

Passados mais de 20 anos, com o evidente fracasso mortal deste tipo de campanha, com muitos heterossexuais, idosos, crianças, profissionais de saúde que trabalham com material contaminado, dentre outros tantos, tenham contraído o vírus, em pleno 2015, ainda assistimos este show de horrores vindo de áreas de pesquisa em saúde. E os casos de novas infecções estão aumentando atualmente, em pessoas dos mais variados segmentos sociais, etários, econômicos, etc.

É ingênuo e pueril um raciocínio destes. E isto pelo fato de que é uma tentativa de pensar pelo outro, no lugar do outro.

Explico: "A pessoa vai ficar morta de medo e aí sim vai se cuidar! Então é isso que precisamos fazer, apavorar!" ou algo do tipo "Já sabemos que tem como prevenir com o Truvada, mas fica quieto e não espalha isso!

Deixa a galera com medo, que assim que é bom!" Quem disse que todo mundo vai ter medo? Quem disse que sexo dentro do casamento não transmite doenças? (Já imaginou um vírus perguntando pra alguém: "Oi, a senhora é casada com este senhor que se contaminou no trabalho dele, com uma agulha contaminada, por um descuido de uma fração de segundos? Ah, é casada com ele! Tá bom, não vou te contaminar, ok?")

Quem disse que camisinha não estoura? Quem disse que camisinha não é mal colocada? Ou que eventualmente a pessoa tem uma noite de bebedeira daquelas pra comemorar algo especial e no dia seguinte não lembra nada do que fez enquanto estava bêbada? Daria pra continuar esta lista por páginas e páginas a fio, mas acho que já deu pra entender a ideia geral.

A estratégia do medo não deu certo na década de 80, não deu certo na década de 90 e até hoje continua não dando certo. Retomando: o Truvada garantiria que num eventual descuido ou infeliz acaso, como uma camisinha estourada, a pessoa não se contaminasse. Ou em QUALQUER outro caso que não citei acima, sendo apenas um deles o não-uso intencional da camisinha.

E quem disse que uma pessoa tomando Truvada deixaria de usar camisinha em qualquer relação sexual? Seriam todos ou seria uma parte dos que tomam o composto preventivo que abandonariam a camisinha?

Escolher, pensar, agir em nome do outro, no lugar do outro, costuma ter efeitos catastróficos. O pensamento do tipo "EU sei o que é melhor pra VOCÊ!" costuma ser uma furada, justamente porque o ser humano de modo algum é redutível a simplificações ou generalizações, seja no âmbito individual, seja no coletivo.

Perguntas simples como "Quais são os hábitos desta pessoa?", "O que é importante para que ela tenha prazer em relações sexuais?", "Em que situações de vida desta pessoa, como no caso de uma bebedeira eventual, esta pessoa pode acabar tendo comportamento de risco?", dentre outras, podem ajudar a traçar respostas muito mais efetivas, singulares e claras para o combate à transmissão do vírus.

É claro que hoje quem tem HIV vive uma vida praticamente idêntica a quem não tem o vírus, que os efeitos colaterais dos remédios são menores do que eram tempos atrás (menor não é igual a inexistente!), e que talvez a pessoa tenha muito mais saúde do que quem não tem o vírus por se cuidar mais, ir regularmente ao médico, fazer regularmente exames, comer melhor, se exercitar, etc.

Tendo uma carga viral indetectável (o que impede a transmissão do vírus, procure pelo Estudo Partner na internet!) e um cotidiano saudável é bem possível que o quadro geral de saúde seja melhor do que o coleguinha sedentário ou com hábitos péssimos pra saúde do corpo.

Mas isso não significa que é bom contrair o vírus, de modo algum! Levar em conta como pensa e age cada pessoa é mais trabalhoso do que uma fórmula geralzona? Sim, certamente. Mas não seria hora de mirar mais na efetividade do que numa estatística?

Se há estudos sérios mostrando a efetividade do Truvada e se os serviços públicos e privados de saúde levassem em conta as necessidades, prazeres e singularidades de cada pessoa, não poderíamos alcançar resultados mais efetivos no combate à transmissão do vírus e à mortalidade de pessoas que desenvolvem AIDS? (Isto porque é perfeitamente possível que uma pessoa só se descubra portadora do vírus quando seu número de células de defesa já está tão baixo que a sobrevivência vira uma questão de sorte.)

Uma lição que é possível tirar da história de tragédia desta doença é que é necessário fazer um esforço para não tomar o lugar do outro e sim ouvir o que ele diz, percebê-lo, para só então pensar o que fazer.

Dá trabalho? Sim, mas salva vidas e é isso o que importa.

Tenha mais informações no Site brasileiro sobre o PreP e o Truvada: http://prepbrasil.com.br/

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