Desde quando era garoto, o professor e militante Toni Reis, de 50 anos, nutria a sonho de ser pai. Depois de se casar com o tradutor britânico David Harrad, de 56, ele teve várias conversas e viu que o desejo poderia se tornar realidade.
Toni e David tentaram a adoção conjunta em 2005 e, muito mais tempo que qualquer gestação, só conseguiram que ela fosse realizada em 2011. Pois é, o preconceito…
Hoje, ele é pai de Alysson Miguel, um garoto de 13 anos extremamente esperto, e sente que o dia dos pais tem um sabor diferente. Tanto que prepara-se para adotar mais duas crianças em Curitiba.
Em entrevista exclusiva ao ACAPA, especial para o Dia dos Pais, ele fala sobre conquistas, preconceito e paternidade:
– A nossa sociedade valoriza muito a maternidade e muitas vezes esquece o lado paterno da questão. Como surgiu essa afinidade ou vontade de ser pai?
Antes de nos conhecermos, quando ainda jovens, nós dois tínhamos vontade de ter filhos, mas naquela época não parecia ser possível devido à nossa condição homossexual. Mais tarde, quando já estávamos juntos havia dez anos e a relação estava mais consolidada, por volta do ano 2000, começamos a discutir sobre a possibilidade de adotar filhos. Fomos amadurecendo a ideia até dar entrada no pedido de adoção conjunta em 2005.
– Quais foram as dificuldades que encontrou para adotar uma criança?
Fomos o primeiro casal gay a solicitar adoção conjunta na nossa Vara da Família, então o juiz e sua equipe não tinham precedentes para dar parecer sobre o pedido. Como consequência demorou quase três anos para o juiz proferir sua decisão. Decidiu que podíamos adotar em conjunto – como casal – só que colocou duas restrições: somente podíamos adotar meninas acima de 10 anos de idade.
– E o que vocês acharam disso?
Recorremos da decisão por acharmos discriminatória. O Tribunal de Justiça do Paraná entendeu unanimemente que não deveria haver qualquer restrição. Um promotor do Ministério Público entrou com recurso contra a decisão do Tribunal de Justiça junto ao Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, alegando não formamos uma família. O STF rejeitou o recurso porque era a restrição quanto à idade e sexo das crianças que estava sendo julgada e não a questão de formar uma família. Até hoje o STJ não julgou nosso caso. Em 2011, tivemos a felicidade de conhecer uma juíza do Rio de Janeiro que entendeu que como o recurso do Ministério Público não teve efeito suspensivo, a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná está valendo. Assim, pudemos adotar nosso filho.
Sim, a decisão do STF em 5 de maio de 2011, equiparando a união estável homoafetiva à união estável entre heterossexuais. Abriu o caminho para a igualdade de direitos nesta área, inclusive no que diz respeito à adoção. É possível adotar como solteiro, mas se a pessoa faz parte de uma união estável, o filho adotado não será considerado o filho do parceiro pela lei, o que pode complicar, por exemplo, em caso do falecimento de quem adotou.
– Como foi os primeiros contatos com o Alysson? Há algum tipo de escolha?
Fomos contatados pela Vara da Infância do Rio de Janeiro para saber se gostaríamos de conhecer um menino de dez anos. Não houve um processo de escolha. Fomos até o Rio conhecê-lo e nos demos bem. Depois de um mês, ele veio para Curitiba passar uma semana conosco para ver se iria gostar. Fomos novamente para o Rio na ocasião do aniversário dele um mês depois e finalmente depois de terminado o ano letivo ele veio morar conosco.
– Poderia me contar um pouco como é a relação de vocês?
Estamos juntos desde março de 1990, em breve estaremos completando bodas de prata! No início da relação não tínhamos o modelo para seguir, diferente dos casais heterossexuais, por exemplo. Assim, fomos criando combinados sobre o funcionamento da relação. A base da nossa relação, além do amor, é a confiança, a cumplicidade e o cumprimento da palavra. Cada um tem a sua vida própria, e em conjunto temos a vida do casal. Com a chegada do nosso filho Alyson, adotamos a mesma metodologia de combinados e cumprimento daquilo que se acordou, e está dando certo. Desta forma, cada um tem claro os limites que existem. Agora estamos com a guarda provisória de mais duas crianças, uma menina de onze anos e seu irmão de oito anos.
– Existiu alguma experiência em que você definitivamente sentiu-se pai? Algum cartão, abraço, frase?
A primeira vez que Alyson nos chamou de pai emocionou. Também, levá-lo para o primeiro dia na nova escola provocou sentimentos de pai. Com as outras duas crianças, o sentimento veio no final da primeira visita quando tivemos que nos separar – todo mundo chorou um monte e já sabíamos que o vínculo estava formado.
– Há alguma experiência que gostaria de contar referente à paternidade?
No nosso caso, a paternidade se deu por meio de adoção. Nossa experiência tem sido que no processo de aproximação com a criança ou adolescente que está aguardando para ser adotada, é preciso ser muito franco consigo mesmo e com a criança. Se os santos não batem, é melhor não ir adiante com a adoção, para evitar a triste situação da devolução da criança depois. Afinal, há de se lembrar que o bem da criança deve vir acima de tudo, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A paternidade, embora tenha vindo um pouco tarde nas nossas vidas, trouxe uma realização pessoal e emocional que parecia impossível há poucos anos atrás. Chegamos muito mais perto da cidadania plena. É importante não idealizar e criar expectativas quanto ao filho que deseja ter. Como a chegada de mais duas crianças, aprendemos que cada filho é diferente e tem suas próprias qualidades que devem ser incentivadas e desenvolvida, e defeitos.
Inicialmente tivemos a preocupação de que o filho iria sofrer preconceito por ter pais homossexuais. Aos poucos fomos percebendo que existe preconceito contra tudo que é considerado "diferente". Na escola as crianças sofrem preconceito por serem acima do peso, magras, usarem óculos, etc. Então o preconceito contra homossexuais é apenas mais um.
Conversamos muito com Alyson neste sentido, e ele entende que se acontecer, não é para ligar e sempre lembrar que o que as pessoas falam é problema delas, e não dele. Ele também percebeu que se não dá bola, a pessoa que está sendo preconceituosa perde a graça e logo desiste.
– O que diria para quem é preconceituoso e acha um absurdo gays adotarem e serem pais?
O que importa é o amor, o cuidado e a educação dos filhos. Os gays e as lésbicas são tão capazes neste sentido quanto os pais heteros. Há estudos internacionais que comprovam que a orientação sexual dos pais não influencia a orientação sexual dos filhos, e que a ocorrência de filhos homossexuais entre pais gays ou lésbicas é igual em termos percentuais à ocorrência entre os filhos de casais heterossexuais. A moral da história é que não existe uma só forma de família, a "tradicional", e sim diversas formas de família, inclusive as famílias formadas por pais e mães homoafetivos.
– Como pretende comemorar o Dia dos Pais?
Pretendemos almoçar juntos em família para comemorar.
– Para finalizar, o que é ser pai para você?
Ser pai para nós é amar e educar nossos filhos para que se tornem autônomos e aptos a levar suas próprias vidas com responsabilidade e respeito.
– Parabéns e feliz dia dos pais!