in ,

Lésbicas masculinizadas sofrem o mesmo preconceito que gays afeminados?

DIVERSIDADE DENTRO DA DIVERSIDADE

Todos sabemos que o preconceito é algo doloroso, afinal, ainda convivemos em uma sociedade homofóbica. Porém, o fato de sermos discriminados não nos livra de discriminar um terceiro. Discriminação essa que muitas vezes é diminuída ou passa despercebida por acharmos que a violência e a ignorânica só vêm de quem é diferente. Pior do que sofrer preconceito de pessoas de fora da comunidade gay, é sofrer dentro dela….

No meio gay masculino podemos observar que existe  uma resistência de aceitação aos chamados "afeminados". Mas e sobre meninas, elas sofrem o mesmo preconceito, mas de forma inversa? Pensando nisso, A Capa procurou algumas mulheres para falar sobre o tema.

Como em todo núcleo social, não diferente, o mundo dyke se divide em alguns grupos de convivência e de identidade, seja por gênero (mais masculina ou mais feminina), idade e classe social, estabelecido pelos próprios espaços de sociabilidade. A divisão por prática sexual (ativa, passiva ou relativa) ainda é presente em alguns segmentos. Segundo a antropóloga e pesquisadora na área de gênero e sexualidade Regina Facchini, 38, "no meio feminino, a questão de ser mais masculina ou mais feminina traça uma diferença fundamental. Há muita rejeição às ‘masculinas’ e ‘ativas’ em quase todas as idades e estratos sociais. Há também muita rejeição a casais formados por duas ‘masculinas’".

Durante muito tempo, a sociedade tentou justificar a aparência masculina no mundo lésbico dizendo ser uma reprodução da heterossexualidade, onde o desejo por outras mulheres era explicitado assim, ou porque procuravam adquirir respeito dentro de uma sociedade machista. Por isso, no início dos anos 90, as novas parcerias entre femininas e femininas tornaram-se mais valorizadas, reafirmando o que já tinha sido defendido por ativistas glbts nos anos 70: uma mulher homossexual não precisava parecer com um homem para conseguir seu espaço.

Esse tipo de argumento ainda é muito presente no meio gay e você pode encontrá-lo de várias formas, intrínsecas em qualquer ambiente destinado às lésbicas, que se identificam de maneira diferente uma da outra. Este assunto tornou-se um tabu que vai além da sexualidade, ultrapassando os limites das discussões de sexo e de gênero. Um exemplo disso é a opinião da atriz Juliana Santos, de 23 anos: "Esse tipo de menina eu nunca fico, porque perde a feminilidade. Eu gosto das roupas e do jeito feminino, independente de ser bolacha. Odeio menina com roupa de menino e cabelo curto. Eu quero olhar pra minha namorada e ver uma mulher, independente do que ela seja ou goste."

Em contra-ponto, a guitarrista da banda The Dealers Marianne Crestani, 27 anos diz se identificar como "masculina" e gosta que a namorada também seja: "Eu sou casada e minha namorada também é bofe e é ótimo. Não rola aquele lance de desempenhar papéis. Nos outros relacionamentos que tive com meninas femininas me sentia na obrigação de ser o homem, o que era chatíssimo!"

"Acho que nossa sociedade preza demais o sexo biológico e espera que ele molde o comportamento, o jeito de se vestir e o modo de amar das pessoas. Muitas garotas de aparência masculina estão simplesmente mostrando sua identificação com atributos masculinos", diz Regina. "Isso não quer dizer que queiram ser homens ou que serão tão violentas quanto um homem machista pode ser em relação a sua companheira. O preconceito não leva em conta que é possível ser mulher e se identificar com a masculinidade. E que masculinidade pode ter vários sentidos para diferentes pessoas", completa.

Se identificar como masculina, ou não, passa do conceito cultural para o da identidade de gênero. É certo criticar ou excluir pelo jeito com o qual alguém se sente a vontade e livre? Se sentimos na pele como é ser discriminado, não vale a pena passar para frente o preconceito por outras vias. Da mesma forma que existem negros racistas, mulheres machistas e gays que não gostam de lésbicas, o homossexual homofóbico é uma (triste) realidade que devemos encarar de maneira mais política e menos caricaturizado. Desde quando se precisa de saia para ser mulher ou cabelo curto para ser homem? Não há limites para a busca da sua própria identidade. O importante, na verdade, é que as pessoas aprendam a respeitar todas as formas de amor, desejo e sexualidade, independente de concordarem ou não, pois falar em homossexualidade, assim como falar em heterossexualidade, não é falar em semelhanças, mas em diversidade. E a diversidade existe sim dentro da diversidade.

* Matéria originalmente publicada na edição #12 da revista A Capa

Casebre Bar & Lounge

Se a familia não vai à parada gay, a parada gay vai à família