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Sempre fiéis e presentes, elas não desgrudam de seus amigos gays

Na TV ou no cinema, é comum encontrar mulheres heterossexuais que nutrem amizades especiais por gays. Em “O Casamento do Meu Melhor Amigo” (1997), Julia Roberts se consola com Rupert Everett depois de saber que um antigo amigo por quem era apaixonada vai se casar com outra mulher. Já na extinta série “Will and Grace”, o casal do título, uma decoradora de interiores judia e um advogado gay, vivem juntos hilariantes e atrapalhadas situações.

Essa amizade entre uma mulher hétero e um homem gay tem até definição em inglês: fag hag. A origem da expressão remonta a década de 70 e, embora inicialmente fosse atribuída aos fãs de David Bowie, designa na atualidade qualquer mulher que se relacione com as bees. Na vida real, atrizes como a coreana-americana Margaret Cho e a socialite Paris Hilton já assumiram ser orgulhosamente fag hags. Cho, inclusive, publicou um livro, “I’m the One That I Want”, em que fala abertamente sobre o tema.

Distante do mundo das celebridades, porém, o “fenômeno” das fag hags não pode ser ignorado. Apesar de ainda não serem maioria, mulheres héteros são vistas com mais freqüência em clubes e bares GLS. Elas nunca passam incólumes e, sem neuras, compartilham abertamente do mesmo espaço que seus amigos homossexuais – às vezes chegam a curtir o mesmo estilo de som e até o mesmo tipo de homem.

A jornalista Consuelo Zurlo, 31, tem uma legião de amigos gays – são cerca de 10. Para ela, a geração atual é muito mais aberta em relação à diversidade sexual. “As pessoas mais esclarecidas, ‘open minded’, são amigas dos gays porque não se importam com a orientação sexual do outro, mas pelo que cada um é”, acredita. Na opinião da jornalista, o que diferencia seus amigos gays de seus amigos heterossexuais é que os primeiros “são bem divertidos e sabem ouvir melhor certos assuntos femininos”, e o melhor: não abusam dessa intimidade como arma de sedução.

Maria Teresa Gomes, 25, costuma fugir de redutos héteros para acompanhar seus amigos em baladas gays. Tanta paixão leva a professora de inglês a brincar que ela é uma “travesti que deu certo”. “Falta nos héteros mais confiança, sensibilidade e inteligência”, reclama. “Os gays são companheiros, divertidíssimos, sensíveis e prestam atenção em detalhes”, defende a professora, que aproveita para elogiar o clima descontraído dos ambientes GLS. “Sempre respeitei e fui respeitada em lugares assim.”

Para a também jornalista Lilian Ambar, 28, as fag hags são resultado de um mundo mais tolerante e sem preconceitos. “Cada vez mais pessoas estão saindo do armário”, diz. “Com isso, elas estão deixando de lado o preconceito e se tornando capazes de viver numa sociedade com tantas diferenças”, observa a jornalista, para quem ser amiga de um gay é algo “natural”. “Sem contar que quem tem um amigo gay tem um grande amigo, alguém com quem sempre vai poder contar e confiar. Por isso, as meninas estão se rendendo aos encantos dos gays.”

Uma relação de cumplicidade
A bancária Tatiane Magalhães, 29, e o artista plástico Carlos Eduardo Riccioppo, 26, são um exemplo de que a amizade entre um hétero e um gay pode dar mais que certo. Tatiane conheceu Carlos Eduardo quando ele começou a namorar um amigo seu de infância. Desde então, não se des-grudaram mais. “Descobrimos diversas afinidades, inclusive a música – ele toca violão divinamente. Adoro nossa relação, foi paixão à primeira vista, nos identificamos de imediato e estamos juntos até hoje. Isso já faz oito anos”, conta a bancária.

Para o artista plástico, sua amizade com Tatiane ultrapassa qualquer barreira da sexualidade. “Dividimos e construímos um gosto comum pela música, pelo estudo, por filmes e, também, por uma espécie de humor negro e esculachado que talvez só se encontre hoje em dia no mundo gay”, diz.

Mas o que faz uma mulher heterossexual ficar completamente inebriada pelo meio gay? “Ver comportamentos diversos talvez seja uma forma de pensar sobre o nosso próprio, ou de inventá-lo”, filosofa o artista plástico. “Eu não saberia dizer se existe um universo gay ou se, ao contrário, o mundo pop – que para algumas pessoas é absolutamente interessante – é constituído por ambigüidades e rompimentos de grande apelo sexual: androginias, misturas entre luxo e vulgaridade, bom e mau gosto. Nesse mundo, talvez, qualquer um que possa transitar de um lado a outro se sinta bem-vindo. E, além dos gays, é possível que as mulheres também não tenham muito por que se resguardar. Acho que as heterossexuais curtem esse tipo de relação porque ela permite uma abertura a compor-tamentos inesperados, imprevisíveis”, acrescenta.

Gostos semelhantes? Conflitos na certa!
Mesmo ressaltando as inúmeras qualidades de seus amigos gays, algumas mulheres reconhecem que, numa relação com tantos gostos semelhantes, podem eventualmente surgir conflitos. Para o psicanalista Julio Cesar Nascimento, mestre pela PUC/SP, os relaciona-mentos entre gays e héteros são normalmente susten-tados por laços inconscientes. “Se uma mulher só tem amigos gays então existe uma impossibilidade de ela ter amigas mulheres ou de ter amigos homens heterossexuais”, observa.

Segundo Julio, as motivações para este tipo de relação podem ser as mais variadas possíveis. “Ela pode evitar a comparação e a competição imaginária com outra mulher, isso se percebe quando numa turma de gays só há espaço para uma mulher hétero que reina absoluta. Ela se furta, assim, de se haver com a outra mulher. Geralmente, a matriz inconsciente desta mulher é a própria mãe, ou seja, ela não precisa dividir o amor dos homens com nenhuma outra mulher”, comenta.

Mas há ainda outras motivações, segundo Nascimento. “Há, por vezes, o desejo sexual pelo amigo gay, e isso se revela em ficadas esporádicas que estas mulheres conseguem arrancar numa balada. Elas nutrem o desejo inconsciente de ser tão atraente a ponto de mudar a orientação sexual do amigo gay e este, por sua vez, ao ficar com uma mulher de vez em quando, alivia a culpa de sua homossexualidade, fingindo para si mesmo que pode desejar uma pessoa do sexo oposto”.

“Há ainda o caso de mulheres que amam o lado feminino destes gays e são na realidade lésbicas ou de mulheres que não gostam de aspectos da personalidade machista e acreditam ser impossível achar um homem hétero e viril que possa integrar a feminilidade em sua personalidade masculina”, explica Nascimento.

Essencialmente, reitera o psicanalista, todas essas as motivações têm em comum o fato de que homens gays nunca vão desejar sexualmente mulheres heterossexuais. “Mas nada disso é válido para mulheres que namoram héteros e têm amigos e amigas de todas as orientações sexuais”, ressalta.

E os conflitos? Como eles surgem numa relação desse tipo? “Os conflitos não surgem do fato de as orientações sexuais serem distintas. Ao contrário, amizades entre pessoas de orientações sexuais distintas são em geral frutíferas e têm um potencial criativo.

O que gera o conflito são as motivações inconscientes e inconfessas, em geral quando um dos parceiros da dupla faz um comportamento que flagrantemente tem haver com a verdadeira motivação da relação: o desejo inconsciente emerge criando o mal estar. “Por exemplo, quando a mulher quer ser mais do que amiga, quer ser a namorada, ou quando surge ciúme do namorado gay.”

Saber conviver com as diferenças, respeitando os gostos e o espaço do outro, independentemente da orientação sexual, é uma forma de tornar a amizade mais prazerosa e duradoura. A fórmula para tudo isso, as fag hags já têm.

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