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Sou indie, não idiota

Dia desses chegou ao meu e-mail um texto que falava a respeito dos indies. Fiquei chocado com um texto que só trabalha em cima de generalidades, sem aprofundamento e ainda por cima, por demais desatualizado no que diz respeito aos signos culturais que correspondem com o objeto de análise do autor, que se chama Bruno Cava.

Como me encaixo no padrão analisado e enxerguei uma sequência de erros, resolvi escrever este contraponto. Parágrafo por parágrafo. Se nos dispomos para tecer análises, no mínimo devemos saber do que falamos… Pois bem, vamos lá.

O texto começa:

"O indie não quer ser igual a ninguém, só a todos os outros indies. O indie decora nomes de bandas, livros e filmes que os outros indies aprovam. O indie se veste como os outros indies. O indie compra óculos e tênis onde os outros indies compram. O all-star é um signo confiável da indianice, mas os mais indies vão além. O indie odeia rótulos, salvo indie. O indie é gregário e territorial, mas só com outros indies. Além de independente, o indie ambiciona ser visto como descolado, contemporâneo, desprendido, cool, moderno, alternativo e despojado".

Neste primeiro parágrafo nada demais. O fato de não querer ser igual a ninguém está presente em todos os coletivos que se identificam por conta de música, idéias e roupas. Não é que o indie decora, mas é preciso saber os nomes para indicar e travar assunto a respeito. Isso se chama referencia cultural. É obvio que um pagodeiro, rapper, head-banger não vai andar com um indie. Mundos diferentes, mas ainda assim, nada impede de uma cerveja na mesma mesa do bar. Não é que o indie ambiciona ser "descolado, despojado, contemporâneo, desprendido, moderno…", na verdade, tudo que está relacionado a uma cultura fora do mainstream, no caso, a alternativa, é por natureza de vangaurda, pois, aponta para novos rumos. Não à toa, roupas e artistas underground acabam por influenciar, posteriormente, os artistas do Mainstream.

"O indie se remorde ao ser chamado de posudo, pseudo-intelectual e emo, ou de emo-sem-franja. O indie adora dizer que é só um cara normal. O indie tem perfis quilométricos no orkut e facebook. O indie tem vagas insatisfações existenciais. Aos trinta, o indie passa a ter insatisfações existenciais ainda mais vagas. O indie não acredita em originalidade, mas em undergroundinalidade. O indie não tem depressão, ele é daqueles que acha que está deprimido. Se não é desse tipo, no mínimo ele se diz bipolar. O maior problema do mundo, para o indie, é o tédio. Por isso, o indie é blasé e acha que deve ser agradado pelos outros".

Nossa, começam os nossos problemas. Originalidade é algo saudável. Ou queremos que todos sejam iguais? Tédio e ansiedade são o mal/característica dos jovens e adolescentes do final de século XX e início do XXI. Para este tema indico o livro "O tempo e o cão", da Maria Rita Kehl. E o autor comete um equivoco, ou deve achar que se trata da mesma coisa: o indie ou seja lá o que for não vive deprimido, mas a simbologia forte em torno de boa parte da cultura underground é a melancolia, um outro olhar sobre o mundo. É por isso que é chamado de indie: independente, fora da massa e do padrão imposto. Sem happy end.

"O indie não afirma, ele acha. Foge de polêmicas. O indie é multicultural, mas abomina quem toma partido. O indie só se filia a causas óbvias: paz mundial, liberdade de expressão e sobretudo ecologia. Não tem opinião formada senão nessas causas, quando muito. O indie não faz política, fica indignado. Indiegnado. O indie tem horror a partido político. O indie gosta do Obama, mas não do Lula. O indie acha todos os políticos corruptos.  O indie acha que o pior problema da política é a corrupção.O indie só confessa o voto quando é no Gabeira, na HH, na Marina. O indie acha que todas as religiões têm a mesma mensagem. O indie não discute religião. Mesmo o indie ateu se diz agnóstico, porque é mais indie".

Agora fudeu. Se indigna quem quer, mas a característica mais forte existente entre os meus amigos "indie" é a questionamento do status quo. Paz mundial, liberdade de expressão e ecologia? Sorry, mas ele não está falando dos tais indies e sim de vegans que adoram maracatu. Falta trabalho de campo. Horror a partido político? Tenho certeza que mais de 50% dos jovens tem horror. Os partidos não entendem e não dialogam com a juventude, principalmente com aquelas que não correspondem o status quo.

Quando coloca o Gabeira, Heloisa Helena e Marina, o texto mostra a que veio. O indie é um sujeito de classe média, despolitizado, conservador e que só vota na Marina e no Gabeira por modismo.

Porra, então todo mundo só vai ser "cool" se votar na Dilma? Esse tipo de argumento é o mesmo usado pelos fundamentalistas religiosos: ou você segue a doutrina deles, ou está fora, vai torrar no inferno. E o indie não discute religião? Por onde este autor tem andado?

"O indie é libertário, mas tem uma vida sexual monótona. O indie quer que o parceiro goze, mas sem baixaria. O indie brocha, mas não toma viagra. O indie não fala palavrão nem na cama. Se fala, pega leve. O indie transa, mas não fode. O indie nunca participou de uma orgia. O indie é cabeça-aberta, mas a sua vaidade não suporta traição. O indie não valoriza a família, mas tem família estruturada. O indie não fuma cigarro. Quando fuma, não traga. Quando traga, não cheira. O indie quer que o traficante seja punido, mas não o usuário. O indie gosta de narguilés. O indie adora festas de apartamento. O indie ama pracinhas onde encontra os outros indies e pode comparar o sapatênis mais modernoso. O indie é sentimental, mas não é emotivo. Ele interioriza e depois escreve no blogue".

Será que ele já transou com todos os indies no planeta terra? No meio social que vivo, que é bem indie ou alternativo, o que menos tem é monotonia na vida sexual. Não fuma cigarro? Não cheira? Narguilés? Bom, festa de apartamentos são ótimas mesmo. Da onde ele tirou que indie usa sapatênis?! Minha nossa! Vamos nos atualizar? Se é para falar de modismo nos pés, fique sabendo que a hoje a mania são os tênis cano alto da Nike, Puma e Adidas. Tem a Mad Bull, também.

Trabalho de campo, trabalho de campo!

Mas vamos lá: o consumo de cigarro entre indie é altíssimo. Quanto a cheirar, nossa, esse ato está generalizado por varias tribos. Sentimental? Emotivo? Hein? Ah, e que bom que hoje todo mundo pode ter um blog e escrever o que pensa.

Sobre os narguilé ele só pode estar falando da tribo de mauricios ou de surfistas.

"Com o indie, nada nunca é pessoal. O indie quer ter um smart car. Se der, um New Beetle. O indie quer passar um tempo na Europa. Geralmente Paris, Barcelona ou Londres, mas os mais indies pretendem ficar num lugar supercool: Montreal, Dublin ou Bratislava. O indie curtia "Legião Urbana" e agora curte "Strokes", e idolatra "Velvet", "Radiohead" e "Oasis". O indie gamou na saga "Crepúsculo", embora depois tenha achado muito mainstream pra ele. Idem para "Avatar". O filme-manifesto para o indie é "Os Famosos e os Duendes da Morte"."

Este ultimo parágrafo é o melhor. Todas as pessoas que eu conheço que tem um New Beetle não são indie, estão mais para executivos. Agora, o carro é bonito, não? Strokes? Nossa, de que indie ele está falando? Se tem uma banda que caracteriza a tribo é o The Libertines ou Placebo, e se formos mais além, a banda mãe é Suede, que faz parte da primeira leva de bandas denominadas "indie".

Gamou na saga "Crepusculo"? Ele só pode estar falando da geração atual com idade entre 12 e 16 anos, que são denominados "colours" ou "família restart", que se vestem com roupas coloridas. Sobre "Avatar", me recuso a comentar. Esdrúxulo.  E se os indies idolatram algum filme vampiresco não é a saga "Crepusculo" e sim dois longas: "Entrevista com vampiro" e "Drácula, de Bram Stoker".

"Os famosos e os duendes da morte" filme manifesto? Não, errou feio. Apesar de ser um ótimo filme, não é manifesto da galera indie. Para este tipo de conotação temos dois: "Laranja Mecânica" e "Trainspotting".

Conclusão. O autor se coloca como parte integrante do problema, mas isso é usado como mecanismo para desqualificar aqueles que não se enquadram no seu ponto de vista do que é politicamente correto enquanto posição perante a sociedade. É extremamente conservador e preconceituoso. É de deixar qualquer pastor evangélico com inveja. A verdade é que o ser humano e juventude, principalmente, são heterogêneos. Não da pra generalizar tudo no mesmo balaio. Temos gente do samba e da MPB que são conservadoras e votam Serra, assim como temos indie ou alternativos que votam no PT/Dilma.

Os argumentos de Bruno Cava a respeito dessa tribo chamada Indie revela um ranço que permeia entre os grupos políticos: que vivem praticamente descolados da realidade que se passa com este grupo citado no texto e com os outros. Aí se irritam quando estes olham com empáfia para os grupos políticos. Uma visão preconceituosa que mais segrega do que agrega. Sem contar que reproduz um senso comum de que o jovem é alienado, só vota nos candidatos do modismo e que são despolitizados por não estarem filiados a partidos políticos. Assim como os religiosos acham que quem não freqüenta igreja vai queimar no inferno no dia do juízo final.

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