"As pessoas me conhecem como Bill da Pizza e o meu nome de nascimento não precisa falar né? A minha história começou no Autorama que é um ponto de encontro gay no Parque do Ibirapuera. Eu não sou de São Paulo, sou do sul, só que do sul do Maranhão e vim para São Paulo aos 15 anos", inicia a conversa o Bill da Pizza.
Veio para a capital de concreto para morar com a irmã por conta de um incidente em sua terra natal. "Eu tive um caso com uma menina e ela disse estar grávida de mim. Meu pai me achava muito novo e mandou-me passar uns tempos com a minha irmã", conta.
Nessa época, lembra Bill, não tinha dúvida quanto a sua orientação sexual. "Eu nem entendia o que era ser heterossexual, só que eu descobri o sexo com os meus amiguinhos fazendo troca-troca". Porém tal prática era "tão natural" em sua cidade e "depois que acontecia ninguém tocava no assunto, os meninos cresciam e ficavam com as meninas". Assim, Bill também foi "forçado" a ficar com as meninas.
A suposta gravidez descobriu-se depois tratar-se de um equivoco. "Foi uma grande confusão e aí o meu pai achou melhor eu ir embora para São Paulo". Foi embora com a promessa de volta que nunca se concretizou.
A chegada em São Paulo
"Cheguei a São Paulo e comecei a trabalhar logo de cara, pois como era sozinho precisava me sustentar". O que pode ser uma surpresa para muitas pessoas é que Bill trabalhou em inúmeras áreas, sequer imagináveis para quem conhece a personagem. "Trabalhei como office boy, empacotador em supermercado e tive uma loja de auto-peças". Nessa época Bill morava no bairro do Belenzinho, "onde eu atendi bastante".
Nesse tempo ainda mantinha relações heterossexuais. "Cheguei a casar com uma mulher aqui", revela Bill da Pizza. "Apaixonei-me por ela e, aos 18 anos, me casei". Dessa união teve a sua filha "Bianca, que hoje está com 12 anos". A homossexualidade ele foi descobrir mais para o final do casamento. "Aí eu me entendi". O casamento não ia bem. "Nos dois últimos anos a gente brigava muito". Nesse meio tempo resolveu sair. "Na verdade, um dia estava indo trabalhar e conheci um menino".
Nesse mesmo dia, Bill conta que subiu em um ônibus lotado, ficou sentado e o menino sentado de frente para ele, começou a se roçar. O pizzaiolo revela ter gostado, mas "tremia de medo". Ainda no ônibus eles trocaram algumas palavras e o telefone e marcaram de sair. "À noite nós saímos e obviamente quem tomou fui eu".
Após o primeiro encontro, Bill assume ter sido ali que descobriu a homossexualidade. Porém, depois dessa rápida relação ele conta ter ficado paranóico. "Eu estava em relacionamento hétero e descobri ser homossexual, uma filha para criar… eu tive muito medo", assume.
O único gay
Ele nos conta que nesse momentofez de tudo para "curar a homossexualidade". "Era ignorância, né? Não tinha ninguém para contar, tive que me virar e isso sem qualquer explicação" do que se tratava. Para a Bill era como se ele fosse "o único gay da terra".
No meio desse drama ele relembra de uma passagem que considera engraçada. "Em uma discussão com a minha mulher ela reclamava que eu ficava saindo, e disse que também ia sair e arrumar um macho. Nessa eu disse pra ela: aproveita e arruma dois porque eu também quero um".
Foi com um amigo que ele descobriu a vida noturna gay. "Um conhecido me levou em um clube que ficava na Alameda Itu, quando eu entrei e vi aquele monte de homem, eu fiquei louca". Ali Bill disse ter descoberto que existiam pessoas como ele. "Foi aí que eu resolvi terminar o meu casamento de fato". Para Bill, essa "nova fase" de sua vida não foi o motivo do divorciado. "Esse não era o motivo. Nós já estávamos vivendo essa separação, mas ela não queria".
Logo após o divórcio Bill conheceu um rapaz por quem se apaixonou e teve um "relacionamento duradouro". Com esse homem Bill conta ter ficado por "seis anos". Quando se separou, sua ex-mulher não quis ficar com a filha. "Foi ele quem me ajudou a criar a minha filha". Como nem tudo são só flores, por uma "falta de maturidade minha acabou o relacionamento", conta.
Hoje, Bill vive com a sua filha. Sobre ela não saber de sua orientação sexual, ele responde que não tem como esconder isso da menina. "Sou praticamente uma mulher", brinca. Conta também que houve problema por conta disso e que na "primeira vez que a minha filha perguntou se era gay, ela tinha cinco anos. Eu dormia com o Flavio, que era o meu companheiro na época e vivíamos todos sob o mesmo teto".
Na ocasião Bill revela ter dito que era amigo de Flavio e que amigos dormiam juntos. "Aí ela me disse, mas outros amigos seus vem aqui e não dormem com você". Sem saída ele então sentou com a sua filha e explicou de uma forma que uma criança de 5 anos pudesse entender. Hoje Bianca é adolescente e vive em harmonia com seu pai, figura conhecida do mundo gay. "Ela colocou no perfil dela, no Orkut, que é filha do dono da primeira pizzaria gay de São Paulo".
O início do Bill da Pizza no Autorama
"Eu já freqüentava o autorama e estava desempregado, tinha fechado a loja de autopeças e não tinha o que fazer". A historia com a pizza vem antes do autorama em si, quando Bill montou "um disk pizza em parceria com um amigo no Jabaquara", que não deu certo. Foi quando em dia de desespero por estar sem trabalho e grana que Bill pensou em vender pizza no estacionamento anexo ao parque Ibirapuera. "Primeiramente eu tinha pensado em vender hot-dog, mas eu lembrei que tinha aprendido a fazer pizza". Com a idéia na cabeça, Bill comprou um forno em parcelas – ele já tinha o carro. "Coloquei todas as coisas no carro e pensei, hoje a noite eu vendo essas pizzas".
O primeiro dia do novo negócio não foi muito feliz . "Parei o meu carro perto de um condomínio no Jabaquara e não apareceu uma alma para comprar as pizzas até as 24h", lamenta. Na mesma noite ele e um amigo foram dar uma volta no Autorama. No local, o amigo de Bill lhe sugeriu vender as pizzas no Autorama mesmo. "Lembrei das minhas contas e da gasolina do carro, abri o carro e em menos de dez minutos vendi umas cinco pizzas". Assim, em 2003 surgiu Bill da Pizza.
Para atrair mais clientes, Bill da Pizza conta que pegou umas pizzas, picotei e saiu "oferecendo aos carros que por lá passavam". "Nisso as pessoas voltavam para comer e foi rolando". Foi também nessa época que Bill se envolveu com a militância e começou a participar do grupo [Amigos] do Autorama. Entre cenas absurdas que presenciou por lá ele conta uma.
"Foi uma noite quando a Polícia Civil fechou o Autorama e constrangeu todos os freqüentadores. Essa é a imagem mais cruel que eu tenho de lá. Eles agrediram os gays, ofendiam verbalmente, eu fui agredido verbalmente. Fui a corregedoria denunciar", lamenta, pois sua denúncia não deu em nada.
A primeira pizzaria gay de São Paulo
Mas, nem só de tristeza é feita as lembranças dos tempos do parque. "Tudo lá era feliz. O que acontecia era o seguinte: quando cheguei lá era aquela coisa de só se procurar o sexo e nada mais. Quando comecei a vender as pizzas eu consegui criar um ponto de convivência e é isso que falta no lugar". Como disse Bill, era "um lugar onde as pessoas paravam pra comer e pra conversar". "Aquilo me fazia bem".
Sobre a saída, ele conta que foi "expulso a ponta pés". Após ter o seu ponto encerrado, Bill abriu a primeira pizzaria gay de São Paulo que, por conta de reclamação de vizinhos foi fechada e voltará a funcionar em 2009. Vale lembrar que a pizzaria foi palco do primeiro debate entre vereadores gays com plataformas LGBT, realizado no dia 3 de outubro.
Dos sonhos, Bill confessa ser uma pessoa "desleixada com isso". Vivo o dia-a-dia e não paro muito para sonhar, as coisas acabam acontecendo". Sobre essa questão ele comenta as pessoas dizerem que "a gente não vive sem sonho". "É claro que eu sonho! Eu sonho com um mundo melhor, com um mundo sem preconceito, sair um dia de casa com o meu namorado e as pessoas não me olharem torto, os meus sonhos são coletivos", revela.