Muitas vezes nos encontramos em conflito com nossas(os) companheiras(os), maridos, esposas, filhos, familiares e outras pessoas com quem mantemos as mais diversas relações.
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Os conflitos podem ser inúmeros: podem ser resultado do término de uma relação (como um divórcio), podem se dar em razão de controvérsias com relação aos filhos (como escolher em qual escola a criança irá estudar), podem tratar de questões referentes à herança de alguém que morreu (como a pessoa LGBT que encontra resistência por parte da família para herdar os bens dos pais falecidos), dentre outras situações. Conflitos fazem parte da vida, e para a população LGBT esta realidade não é diferente.
A forma mais comum para se resolver estes conflitos é através do Judiciário. As partes em conflito recorrem a um juiz que “aplica o Direito” e resolve a questão. Se estou me separando e não há acordo com relação à divisão do patrimônio, vamos à Justiça e, através de um processo, pedimos ao juiz que faça a divisão. Mas será que esta é a melhor forma para se resolver conflitos?
Muitos sabem que processos judiciais são caros, demorados e incertos. São caros porque envolvem a contratação de advogados, bem como os custos para a entrada e manutenção de um processo. São demorados porque nossos processos não seriam os únicos que estariam na mesa de um juiz: inúmeras pessoas buscam resolver seus conflitos através da Justiça, e consequentemente os gabinetes dos juízes se encontram abarrotados de processos esperando julgamento. E são incertos, porque não há como afirmar com certeza qual será a decisão do juiz, que pode ser contra ou a favor de nossos interesses.
Neste artigo, desejo apresentar para a população LGBT uma forma de solucionar conflitos que não envolve, necessariamente, a presença de advogados ou juízes – que não precisa, portanto, de um processo judicial. Trata-se da mediação. A mediação é considerada um “método adequado de resolução de conflitos”, onde um terceiro indivíduo (o mediador) é chamado pelas partes para auxiliar o diálogo entre elas e, consequentemente, facilitar a obtenção de um acordo. Ao contrário do juiz, o mediador “não julga”, mas apenas auxilia as partes para entenderem o que está em jogo no conflito entre elas e, consequentemente, cria o ambiente favorável para um acordo que respeite os diferentes interesses das partes.
Para entender como funciona a mediação, podemos pensar em um exemplo. Imagine que você está se separando da sua(seu) companheira(o). Imagine que vocês construíram um patrimônio comum, compraram carro e casa juntas(os), construíram uma empresa, mas não estão de acordo com relação à divisão destes bens. Imagine ainda que você ou sua(seu) companheira(o), ou vocês duas(dois), estão “no armário” e não desejam que ninguém da família saiba do relacionamento e/ou da separação. Em casos como este, um processo seria caro, demorado e incerto. Sendo assim, de que modo a mediação pode ajudar um casal LGBT?
Quando as partes em conflito buscam um mediador experiente e capacitado, elas serão capazes de dialogar com mais facilidade. Se estavam “brigadas”, o diálogo pode ser restabelecido pelo mediador, através de técnicas próprias. E, dessa forma, abre-se espaço para se alcançar um acordo.
O mediador poderá auxiliar as partes a ver quais são seus reais interesses, e no exemplo que pedi para que imaginasse, da separação de um casal, pode auxiliar as partes a dividirem o patrimônio construído conjuntamente de forma justa e igualitária. Assim, o que antes era um “conflito” passa a ser um “problema” que deve ser resolvido em conjunto pelo casal.
Não se trata de “brigar” pelo carro ou pela casa, mas sim de chegar a um acordo que busque a divisão mais justa dos bens, considerando os reais interesses das partes. O acordo é feito pelo próprio casal, auxiliado pelo mediador. Assim, não há necessidade de advogados, juízes e processos caros, demorados e incertos. E se houver necessidade do que se chama de “homologação de acordo”, para que o acordo tenha efeitos jurídicos e legais, trata-se de procedimento simples, rápido e barato.
Outro elemento central da mediação é o sigilo. O que acontece em uma sessão de mediação (o encontro entre as partes e o mediador) é sigiloso e fica entre quatro paredes. O mediador não pode atuar como advogado das partes, muito menos como testemunha em eventual processo entre elas. Assim, no caso do exemplo, o casal que se encontra “no armário” pode ficar tranquilo: sua relação não será descoberta por terceiros, e tudo que for dito entre eles não poderá ser repetido fora da sessão de mediação. Isso é um grande benefício para a população LGBT, que infelizmente ainda conta com o estigma e preconceito social sobre suas relações.
Em processos judiciais este sigilo completo nunca é garantido: além dos juízes e advogados, estagiários e funcionários do cartório terão acesso ao processo – e sabemos que o mundo é pequeno e que qualquer um que tenha acesso ao processo pode conhecer as partes envolvidas.
Em síntese, a mediação é uma forma eficaz para a solução de conflitos, notadamente os que envolvam a população LGBT. Ela evita a chamada litigiosidade dos processos, ou seja, que o conflito entre as partes aumente em razão do que o advogado disse no processo, ou do que decidiu um juiz. Processos tornam difícil a busca por uma solução cordial, madura e autônoma dos conflitos, ao contrário da mediação.
Nos processos, uma parte “ganha”, e outra “perde”. Na mediação, ao contrário, abre-se espaço para que as duas partes “ganhem”, pois são elas que chegam a uma decisão. Logo, não há o que perder. Se estamos em conflito com alguém, o melhor é sempre buscar uma solução de natureza amigável, e a mediação através de um mediador competente se apresenta como a melhor forma para restabelecermos o diálogo com alguém e alcançarmos um acordo que atenda aos interesses de todos os envolvidos.
*Pablo Antonio Lago é advogado especialista nas áreas de Família e Sucessões, Mediação Familiar e Direito LGBT. Doutorando e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor do livro Casamento Entre Indivíduos do Mesmo Sexo: Uma Questão Conceitual, Moral e Política, publicado pela Editora Juruá, e de outros textos e artigos na área LGBT.
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