Baladas para ursos
Se tem algo que caracteriza a vida gay nos grandes centros urbanos é a diversidade, isto é, opções para todos os gostos. Se você é um cara "discreto" e gosta de ficar com caras que, assim como você, usam camisa gola pólo e jeans, facilmente encontrará seu par na balada. Da mesma forma, um punk de cabelos verdes e piercing na língua também encontrará alguém para uma agradável noite de beijos, abraços e talvez algo mais. O mais interessante é que essa pessoa tanto pode ter o mesmo visual, como pode ser um garoto que usa discretas camisas gola pólo e curte ficar com punks.
Em São Paulo, um grupo que chama a atenção é o dos bears ou ursos, aqueles caras mais gordinhos e peludos. Atualmente, a cena bear está em alta e três festas acontecem todo mês, tendo eles e os seus admiradores, os chasers, como público-alvo: Ursound, Woof e Bearland. Em uma cena gay onde músculos e barriguinhas de tanque são ultra valorizados, os bears têm conquistado seu espaço, com um bom-humor que cresce proporcional aos seus quilinhos excedentes.
A irmã caçula dessas festas é a Bearland, que teve seu debut há cinco meses no bar Puri, na Rua Augusta e se instalou no Clube Executivo, na Rua Sete de Abril, próximo ao metrô República. O clube tem um bar e uma pequena pista de dança, onde o público ferve ao som de electro, tribal e flashback. Os ursos mais "saborosos" da noite ganham lasanhas de brinde. Aliás, Sidney Batista, um dos criadores da Bearland, gosta de chamar assim os ursos "meio-termo": meio gordinhos, meio musculosos e que conseguem agradar a todos, de bears a barbies. Eles são tão irresistíveis quanto o prato favorito do Garfield.
Outra balada que já faz parte do calendário ursino de Sampa é a Woof, produzida por Mr. Vicking e Augusto Rossi. Assumidamente fetichista e inspirada em moldes europeus, a festa iniciou por ocasião da Parada Gay do ano passado e acontece todo mês no Ocean Club, localizado na Rua Nestor Pestana, em frente ao Teatro Cultura Artística, no Centro.
A Woof é conhecida por colocar no palco da casa homens peludos, geralmente gordinhos, os gogo bears, que dançam sensualmente só de sunguinha, fazendo os mais conservadores torcerem o nariz e atiçando a imaginação dos mais descolados. "É uma baixaria, não tem necessidade disso", afirma o bancário Francisco Gomes*, de 35 anos, que prefere freqüentar os bares da Rua Vieira de Carvalho, na República, outro antigo ponto de encontro de ursos. Para o operador de telemarketing Marcelo Silva*, de 29 anos, as performances dos gogo bears da Woof "são bem sensuais e ajudam a descontrair a festa".
"Essa pimenta malagueta a mais traz preconceito", admite Mr Vicking, que tem uma opinião crítica quanto ao movimento ursino brasileiro, lembrando que países como México e Argentina têm um movimento bem mais forte que o nosso. "As festas para ursos daqui não inovam, apenas trazem pra cá o que já é feito lá fora".
Na Woof há um dress code, que premia com um desconto os ursos que comparecerem vestidos de caminhoneiros, lenhadores, policiais, usando leather… Enfim, incorporando as excitantes figuras presentes há décadas no imaginário coletivo gay. A festa teve uma edição no Rio, na véspera da Parada Gay de lá, em outubro, e tem uma variante mais caliente, a Woof Sexy, um encontro bear semanal na Sauna 269, temporariamente suspenso.
Iniciada em 2005, a Ursound é a balada bear mais antiga e foi a primeira a vingar. Aconteceram outras, como a Sampa Bear, mas não continuaram", lembra Mr Vicking. Produzida pelos DJs Daniel SM e Edu Atlantis e instalada no Picasso Bar, na Rua Álvaro de Carvalho, no Centro, em frente à Trash 80, a festa rola em um espaço com uma grande sala onde passam vídeos em um telão e uma pista de dança menor, animada por bastante flashback . No andar de cima, há mais um ambiente, meio na penumbra, com vários sofás, onde os ursinhos namoram e tiram cochilos agarradinhos. O ambiente mais movimentado é no piso inferior, com uma grande pista onde toca muito dance.
Quem for nessas festas alguma vezes perceberá que muita gente que vai à Ursound também freqüenta as outras duas baladas bear. "Estou há uns quatro meses sem ir a festas de ursos. Só vejo as mesmas caras!", reclama o engenheiro Ronaldo Costa*, 33 anos. Já para Marcelo Silva*, apareceram muitas "figuras novas" nesse início de ano.
Opiniões de gregos e troianos à parte, para os gordinhos (ou os que não são, mas gostam) que nunca foram, vale a pena conhecer esse divertido estilo de balada GLS.
Leia aqui, entrevista com um Renato Bear, um gogo boy de festa para ursos.
*Francisco Gomes, Marcelo Silva e Ronaldo Costa: nomes fictícios
**Matéria originalmente publicada na edição #12 da revista A Capa abril – 2008