Gritos e Sussurros
Cantadas e assédios, as cantoras da cena lésbica variam das mais discretas as mais abusadas
Quando um trabalho em evidência é feito, torna-se comum ter uma legião de admiradores. No mundo da música não seria diferente, aliás, pelo contrário. A admiração no caos tende a ser maior. São melodias com que os fãs se identificam, letras que soam como se os próprios tivessem escrito. Se a pessoa que estiver no palco fizer o estilo que o fã em questão paquera, é mais fácil ainda surgir uma admiração além do lado musical.
O mundo dyke, do rock a mpb, não foge à regra de garotas fuzilarem as musicistas com olhares cheios de segundas intenções. "É uma coisa que sempre acontece. Garotas enviando bilhetes, gritando e algumas agarram mesmo", conta a produtora musical, Samantha Carpinelli, 26 anos, guitarrista e vocalista da banda mineira Elemento Ar.
A banda de Samantha se apresenta na casa noturna Vila Paraty, às terças-feiras em Belo Horizonte. O repertório varia entre músicas próprias e nomes consagrados da MPB, pop, rock e samba de raiz. Para a guitarrista, o palco exerce um tipo de magia nas garotas. "As cantadas aumentam em torno de 80%", constata Samantha. Ela notou que as mulheres perdem a timidez e tentam a sorte sem medo de levar um fora.
A produtora musical fala que quando está no palco rola uma segurança, mas quando desce, chega até a ficar tímida com o assédio de algumas mulheres. "No final de um show, sentei para tomar uma cervejinha com umas amigas, quando duas garotas bêbadas sentaram no meu colo e beijaram meu pescoço, rosto e boca", diz Samantha. "Foi estranho, constrangedor, mas não deixou de ser engraçado".
A body piercing e DJ Claudia Zuba, 38 anos, discoteca há 23 nas noites paulistanas e começou sua carreira no extinto Madame Satã. "Quando estou tocando me concentro. Às vezes percebo certos olhares, mas cantadas em si foram poucas", afirma a DJ da festa mensal "Só Para Elas", da Bubu Lounge Disco.
Zuba revela que o assédio, se está solteira, é muito bom, pois não tem o trabalho de tomar iniciativa na hora da paquera, mas conta que namora há 4 anos e às vezes rola um ciúmes. No entanto, sua namorada confia e sempre tenta acompanhá-la nas noites na qual trabalha.
A DJ brinca que sempre existem as "Marias Pick Ups", mas é comum por admirarem seu trabalho. Em toda sua carreira, Zuba já tocou em diversas baladas como Studio Roxy, Tirana, Inferno, A Lôca e Ultra Diesel. Ela escolhe o set list de acordo com o público e da empolgação da galera, mas seu o som varia entre os anos 80, 90 e electro.
Para Elisa Rezende, 22 anos, que toca violão e canta no projeto Pretinha – que vai de blues a reggae – "toda arte bem feita é afrodisíaca". "Parece que eu viro uma miss quando estou no palco", ri. Ao perguntar o que acha da situação, ela brinca, diz que precisa fazer mais shows e que é fã de suas fãs.
Outra história de Elisa é a de uma garota que sussurrou em seu ouvido enquanto estava no palco, o que a deixou pra lá de sem graça. Além disso, a cantora revela que diversas vezes algumas fãs, no intuito de conquistá-la, se jogam nos carões avassaladores de sedução que até já fizeram com que errasse a música.
Com a cantora Joe Welch, 31 anos, diva das drags brasileiras, o assédio das fãs também não é muito diferente. No entanto, uma das situações de xaveco foi um tanto desagradável. Após um show, uma garota foi abordá-la e o flerte não era recíproco, até porque Joe é casada. "Alguém disse para a menina que eu estava aberta a relacionamentos e ela queria ficar comigo. Expliquei que era comprometida e, após isso, ela começou a bater na mesa, gritar e xingar. E eu sem saber o que fazer", relembra Joe.
Com um repertório de 380 músicas, nos shows da diva é possível curtir hits como I Will Survive, de Gloria Gaynor; Its Raining Man, do The Weather Girls; Girls Just Wanna Have Fun, de Cyndi Lauper e até Amy Winehouse, com Rehab. Duas vezes ao mês é possível encontrá-la nas noites do Vermont Itaim, onde toca há 7 anos.
Joe passou a ser ícone quando lançou a música "I Get It All". Suas performances de bate-cabelo não ficam atrás de nenhuma pintosa. Inclusive, foi enquanto cantava e dançava numa boate para garotas, que uma moça ultrapassou os limites e resolveu tirar uma casquinha do bumbum de Joe. "Eu tive que fazer a chata. Esse assédio é muito louco, porque descambei e perdi a essência. Eu e o tecladista paramos na hora. Falei que era gratificante tocar, ótimo ver o pessoal dançando, mas independente da condição sexual, é necessário respeito", explica a cantora.
Mas ser estrela tem lá suas vantagens. Sabe aquele dia em que você está com preguiça de investir, xavecar ou mesmo de iniciar uma conversa depois daquele drink? Pois é. Algumas admiradoras não fazem mal para o ego de ninguém. E no caso das fãs, fazer o jogo de conquista com a pessoa admirada, é uma aventura e tanto.
Só é interessante, principalmente no universo dyke, as moças não deixarem se guiar pelo antigo rótulo de que fã é sinônimo de groupie. Cá entre nós, é muito machismo uma mulher tratar a outra dessa forma. Fora isso, que continuem os devaneios da sedução. Particularmente, é até mais sensual.
Serviço
Vermont Itaim
http://www.vermontitaim.com.br/
DJ e Body Piercing Zuba
http://www.studiozuba.com.br/
Banda Elemento Ar
www.bandasdegaragem.com.br/ElementoAr
Joe Welch
http://www.joewelch.com.br/
* Matéria originalmente publicada na edição #15 da revista A Capa – Agosto/2008