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Fundadores da Parada Gay de SP relembram fatos dos 15 anos de história da manifestação

Todos os anos, no feriado de Corpus Christi, a cidade de São Paulo recebe os eventos da Parada do Orgulho LGBT. Estabelecimentos decoram seus espaços com as cores do arco-íris; os hotéis, dos mais modestos aos mais luxuosos, esgotam os seus quartos; e a grande imprensa dá destaque para o evento. Enfim, cerca de 4 milhões de pessoas (número da edição de 2011) se reúnem ao longo do cartão postal de São Paulo, a avenida Paulista, para festejar, protestar, beber, dançar…

Beto de Jesus, 49, esteve presente à Parada desde a sua fundação, quando ela ainda era realizada pela ONG Corsa. O ativista lembra que tudo começou no Rio de Janeiro, em 1997. “Aconteceu a 17ª Conferência da ILGA, no Rio de Janeiro, e tivemos ao final uma manifestação na avenida Atlântica que foi um sucesso. Voltamos para São Paulo e fizemos nosso primeiro ato com o sentido de orgulho”, recorda Beto de Jesus. “Foi na Praça Roosevelt, umas 300 pessoas. Em 1998, organizamos a primeira Parada na Paulista. Juntaram-se os grupos LGBT da cidade e botamos pra quebrar”, conta o ativista. No ano seguinte, seria fundada a Associação da Parada do Orgulho GLBT (APOGLBT), que foi presidida por Beto de Jesus até 2002.

“A ideia era fazer uma manifestação pública em torno do dia 28 de junho, data em que se celebra no mundo inteiro o Orgulho LGBT em função dos acontecimentos em Nova York, no bar Stonewall Inn. Mas, é importante ressaltar, que isso estava na cabeça de muitas pessoas que já haviam comentado aqui e ali a necessidade de irmos para a rua”, lembra o educador Lula Ramires, 51, outro membro fundador da Parada Gay de São Paulo.

A antropóloga Regina Facchini, 40, também fez parte do grupo fundador da marcha e da executiva entre 2006 e 2008. Facchini conta que, desde o início e até hoje, acredita no potencial “mobilizador e educador” da Parada Gay. Beto, Regina e Lula ajudaram, ao lado de muitas pessoas que passaram pela APOGLBT, a construir o maior evento público gay do mundo. O que será que significa essa experiência para eles?

“Era uma sensação muito boa estar num lugar a partir do qual se pode contribuir para tornar melhor a vida de muitas pessoas”, diz Facchini. Beto de Jesus vai mais longe e afirma que se trata de algo que “nunca” vai esquecer em sua vida. “Trouxemos um conceito de visibilidade massiva que se espalhou pelo Brasil. Saímos de 2 mil pessoas em 1997 para 3,5 milhões em 2010. Isso é impressionante. Saber que pude ajudar nesse processo é muito gratificante”, admite Beto.

Lula Ramires lembra ainda que muitos comerciantes não permitiram que eles divulgassem a Parada. “Eram estabelecimentos gays que ganhavam dinheiro às nossas custas. Era muito triste ver gays tirando sarro da nossa cara. Então, quando a 1ª Parada se encerrou, em 28 de junho de 1997, com a participação de cerca de 2 mil pessoas, era grande a emoção. Havíamos rompido a barreira do silêncio! As cores do arco-íris haviam sido fincadas no asfalto feio, frio e sujo da metrópole”, emociona-se o educador.

IMPORTÂNCIA POLÍTICA?
Desde que a Parada Gay atingiu a marca do milhão em número de participantes, surgiram também as críticas que afirmam que o evento perdeu o seu caráter político e se tornou apenas uma festa. “Isso é uma crítica boba e vazia. Pode parecer arrogante, mas acho que o povo que fala isso precisaria estudar um pouco de semiótica e entender que os corpos, as manifestações, as celebrações também trazem um forte discurso político”, contesta Beto de Jesus.

Ramires também rechaça a crítica e diz que a Parada já virou parte da cultura brasileira. “A Parada é uma festa porque envolve um processo de libertação interior que é muito marcante na vida de uma pessoa: estar na rua significa dizer a quem está ao nosso redor que temos uma forma de amar que equivale a todas as outras”, filosofa o educador.

A PARADA E OS VALORES SOCIAIS
Desde 2008, mais de dois milhões de pessoas vão à avenida Paulista, mas ainda assim poucos direitos foram conquistados. A Parada Gay perdeu a sua força transformadora na sociedade? “É necessário que manifestações públicas ocorram sempre, pois isso dá sentido a nossa comunidade. A Parada é um importante instrumento para a conquista da nossa cidadania”, diz Beto de Jesus.

Regina também acredita que o papel transformador da Parada ainda não foi perdido, mas que é preciso estar sempre atento ao rumo da marcha. “A Parada deve estar sempre a serviço da luta por direitos e não perder de vista seu papel de comunicar e educar não apenas os LGBT”, pontua a antropóloga.

“A Parada, a meu ver, tende a se consolidar com uma manifestação popular que fará parte do calendário cívico de nossa cidade durante um bom tempo”, acredita Lula Ramires. “Talvez daqui a uns 50 anos, os LGBT percebam que já não há mais discriminação homofóbica e voltem seus olhares e seus corações para outras lutas socialmente relevantes”, conclui.
 
*Matéria originalmente publicada na edição nº46 da revista A Capa – Julho de 2011

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