Bravos Gays!
Histórias de pessoas que apenas com a cara e coragem enfrentaram o preconceito, venceram o cansaço da Justiça brasileira e mudaram a SUA vida para melhor
Há exatos quinze anos, a revista Veja estampava em sua capa a matéria "O que é ser gay no Brasil". Dentro, revelava dados alarmantes da situação dos gays no país. Na época, de duas mil pessoas entrevistadas pelo Ibope, 36% declararam que não dariam emprego a uma pessoa homossexual – mesmo esta sendo mais qualificada profissionalmente para o cargo. 56% seriam capazes de se afastar de um colega na mesma condição e 45% seriam capazes de mudar de médico por esse motivo.
Atualmente, a situação mudou. Dados recentes apontam que a homossexualidade é cada vez mais aceita em nossa sociedade. Leis pró-GLBTs pipocam aos poucos em algumas cidades e estados. O judiciário, de norte a sul do país, tem se mostrado cada vez mais avançado em suas decisões que reconhecem os direitos gays. É um avanço que em grande parte devemos a alguns corajosos. São bravos que foram à luta e conseguiram ter seus direitos reconhecidos e, conseqüentemente, de seus pares. São pessoas que deram a cara à tapa e mudaram a vida de outros gays.
MARIDO E HUSBAND
Toni Reis e seu companheiro David Harrad, que foram um dos personagens principais da matéria da revista Veja, são um desses exemplos que nos fazem orgulhosos. A longa jornada do casal começou em 1996, quando David foi autuado pela Polícia Federal e recebeu um prazo de oito dias para deixar o país. Vivendo juntos há mais de seis anos, na época, o casal decidiu colocar o assunto em pauta. "Levantamos um debate muito grande no Brasil, principalmente pela minha mãe ter se proposto a casar com o David para que ele pudesse permanecer no país e para que nós dois pudéssemos ficar juntos. Acho que o papel da minha falecida mãe foi muito importante na sociedade e até no Congresso Nacional", explica.
O caso virou assunto de jornais do mundo inteiro. Manchetes estampavam: "Sogra casa com genro gay para fazer o filho gay feliz". O país inteiro discutia o caso. "Houve o envolvimento massivo da mídia durante mais de um mês. Isso gerou um debate muito grande e criou um clima de solidariedade. Apareceram 37 mulheres se oferecendo a casar com o David, porque na época para ele poder ficar no Brasil existiam apenas três opções: casar com uma brasileira, ter um filho brasileiro ou investir 300 mil dólares em uma atividade comercial, sendo que nenhuma dessas opções era possível", ressalta Toni.
Mas foi somente em 2003, quando as possibilidades de diferentes tipos de vistos temporários, com duração de apenas dois anos cada, se esgotaram, que o casal decidiu recorrer à justiça. "Foi um período de muita incerteza, sempre nos perguntando a cada dois anos se a renovação do visto seria concedida, e com muitos obstáculos no caminho. Achávamos que não seria mais concedida a renovação do visto temporário, porque não havia mais como justificar de acordo com a legislação", relembra.
A solução foi entrar com uma liminar na justiça para garantir a estadia de David no Brasil caso a nova solicitação de visto fosse negada. Ao mesmo tempo, o casal acionou o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, alegando discriminação por parte do governo brasileiro na concessão de vistos aos (às) parceiros(as) estrangeiros(as) de brasileiros(as) do mesmo sexo. Dentro de pouco tempo foi baixada a Resolução Administrativa Nº 005/2003 do Conselho Nacional de Imigração, definindo critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, ao companheiro ou companheira, sem distinção de sexo. Eles po-deriam finalmente morar no Brasil com tranqüilidade e, principalmente, tinham seus direitos reconhecidos.
"Foi essa tomada de ação por parte do governo brasileiro que nos deixou felizes, porque beneficiou não somente nós dois, como também muitos outros casais em situações parecidas. Foi uma conquista para o coletivo", comemora Toni, ressaltando que a decisão foi fundamental na vida do casal. "Ficamos mais seguros. Inclusive optamos agora para nos candidatar à adoção de crianças. Também facilitou a vida no sentido de podermos nos planejar para o futuro com mais segurança."
"PAI VASCO E PAI JUNIOR"
"Pai Vasco e Pai Junior". É assim que a pequena Theodora, 6, chama seus pais adotivos. Diferentes dos demais casos, Pai Vasco e Pai Junior foram o primeiro casal homossexual do país a adotar uma criança. Em outubro de 2006, a pacata cidade de Catanduva se tornou centro das atenções quando a mídia noticiou que um juiz da cidade havia permitido a Vasco Gama, 36, e Dorival Junior, 44, fossem pais adotivos como um casal.
Fato inédito e histórico no país, Vasco e Dorival têm muito do que se orgulhar da conquista de uma luta tão demorada. O casal havia tentado anteriormente adotar uma criança, mas não obteve sucesso. Na época, eles não tinham casa própria. O fato não foi suficiente para desanimá-los. "Depois que decidimos não voltamos mais atrás. Era o nosso desejo e quando você quer algo tem que correr atrás e nunca desistir", afirma Dorival Junior. Algumas pessoas supersticiosas diriam que talvez fosse o destino reservando a pequena Theodora para eles.
Quando finalmente a decisão saiu a favor do casal, a emoção era incontrolável. "Foi um momento de muita felicidade. A decisão foi tranqüila e a chegada de Theodora mais tranqüila ainda. Toda a família estava a espera dela. Um momento inesquecível", revela Junior, um verdadeiro pai coruja.
Nos planos da família ainda está a adoção de uma irmãzinha para Theodora. O casal já entrou com outro processo. Por sinal, a onda de adoção aumentou depois da repercussão do casal. "Vocês não fazem idéia de quantas crianças foram adotadas depois da nossa aparição e não só por casais homo, mas também por casais héteros. Até na própria família, temos caso de primos que entraram no cadastro de adoção depois do nosso caso", conta Junior.
Para aqueles que ainda acham que casais homossexuais não podem adotar uma criança, Junior dispara: "Theodora está muito bem e crescendo a cada dia. Ela é uma criança bem definida em relação a tudo. Na escola se dá muito bem com os amiguinhos e eles aceitam numa boa a condição dela ter dois pais".
"Não escondemos nada dela e ela se sente orgulhosa por ser uma das poucas crianças que tem dois pais. No dia dos pais ela é a criança mais feliz da escola, pois prepara dois presentes", fala com orgulho Junior. Segundo ele, nem o casal ou a menina sofreram algum tipo de preconceito. Pelo contrário. "Temos que, às vezes, podar os paparicos que a Theodora recebe de todos".
Alessandr…a – sexo feminino
Em 17 de abril deste ano a recicladora transexual Alessandra da Silva, de 27 anos, após dois anos de processo judicial, recebeu a melhor notícia de sua vida. Ganhava em juízo o direito de alterar seu nome e sexo no registro civil.
"Se o nome da pessoa não corresponde ao seu gênero/sexo constante do registro civil, poderá ter a sua dignidade violada." Foi com este entendimento que a 8ª Câmara Cível do Tribunal Justiça do Rio Grande do Sul autorizou a mudança nos documentos. O relator do caso, o desembargador José Ataídes Siqueira Trindade, questionou em, seu parecer "Ora, de que adianta ao insurgente ter reconhecido o direito de alterar o seu nome de X para Y, e continuar sendo designado como do