Menu

Conteúdo, informação e notícias LGBTQIA+

in ,

Há vinte anos, surgia no Brasil dois caubóis gays: Rocky e Hudson

Diariamente os desenhos dele estão estampados na Folha de S. Paulo. Ali, na Ilustrada, ao lado do horóscopo. São tiras engraçadas em que, de maneira geral, os protagonistas são uma adolescente ninfomaníaca com seus dois namorados ou uma dupla de caubóis gays. Se você não conhece ou nunca reparou está na hora de prestar atenção ao trabalho do cartunista gaúcho Adão Iturrusgarai.

Adão é hoje, ao lado de Angeli, Caco Galhardo e Laerte, um dos maiores cartunistas do Brasil. O moço começou cedo. Publicou a primeira tira num jornal quando tinha 17 anos. Estudou publicidade e metade de um curso de artes plásticas. Em 91, editou a revista Dundum e depois viajou para Paris. Na França, publicou nas revistas Chacal Puant e Flag. Voltou ao Brasil em 93 e mudou-se para São Paulo. Foi redator de programas humorísticos de televisão como TV Colosso e Casseta & Planeta. Editou a revista Big Bang Bang. E já publicou em diversas revistas como Chiclete com Banana, Mil Perigos, Bundas e Capricho. Em 96 entrou para o time de cartunistas da Folha.

No total, há seis livros publicados com suas tirinhas. Quatro álbuns coloridos editados pela Devir e dois pockets lançados pela L&PM. Os títulos são facilmente encontrados em bancas de jornal. O cartunista mantém ainda um blog e um site onde dá para acompanhar online as divertidas aventuras de seus personagens. Rocky e Hudson também já protagonizaram uma aventura nos cinemas, num filme de animação dirigido por Otto Guerra, mesmo diretor de Woody e Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll.

Em entrevista exclusiva à revista A Capa, por e-mail, ele fala sobre o surgimento dos seus personagens homossexuais e revela detalhes do seu trabalho.

Quando nasceram Rocky e Hudson?
Mais ou menos em 1987. A idéia era sacanear com os machões gaúchos. Os gaúchos de bombacha (na época morava em Porto Alegre), mas como já estava com planos de sair de lá resolvi transformá-los em caubóis pra ficar mais universal.

Quando surgiram, como as pessoas reagiram ao Rocky e Hudson? No princípio houve algum estranhamento do público e colegas de profissão por inserir dois personagens gays nas tirinhas?
Os colegas de profissão não estranharam, mas ficavam tirando onda de mim. O público reage de diferentes formas. Mais elogios que críticas.

E hoje, como é a situação? Recebe muitas críticas ou ouve muitas piadinhas de leitores?
Rocky e Hudson até são publicadas em revistas que tem o público-alvo gay. O que confirma que o público gay também curte os personagens. Nem se sentem ofendidos. Claro que sempre existem exceções à regra.

Já foi censurado pela Folha pelo conteúdo das tiras? Tem autonomia total?
Já tive tiras vetadas pela Folha. Mas no geral, a Folha banca as ousadias de seus cartunistas. Quando a piada é muito ousada tem mais chances de passar se for muito boa. Acho uma boa política essa. Autonomia total? Bom… total autonomia só batendo punheta.  (risos)

Qual a principal polêmica gerada pela tiras? Sobre o que falava?
Bom… uma vez trocaram a palavra “punheta” por masturbação. A piada perdeu um pouco a graça

Em algumas entrevistas você declarou que antes de fazer dois caubóis pensou em  fazer dois gaúchos. O Rocky e Hudson poderiam então ser considerados como uma resposta a caras machistas e homofóbicos?
Sim. Rocky e Hudson são uma resposta aos seres demasiadamente machos. Desconfio que os muito machos sempre escondem algo por trás. Por trás, eu disse…
Assistiu ao filme “O Segredo de Brokeback Mountain”, do Ang Lee? O que achou?
Achei o filme até audacioso. Mas mantém aquela estética meio careta holliwoodiana. Não gostei de um deles ter morrido no final. Não gosto de finais tristes. Eles poderiam ficar juntos como os meus caubóis gays.

Em algumas das tiras, você retrata a realidade do país de outra forma, como por exemplo, na polêmica do beijo gay. Ao invés de discutir se ia ou não rolar o beijo, os personagens estavam se beijando. Acha que existe uma função social nos personagens?
Bom… não penso em função social dos personagens senão corro o risco de fazer um humor meio burocrático. Penso somente em fazer piadas engraçadas, escrachadas. Se daí alguém tira uma função social, que faça bom proveito. Não me incomoda…

Há vários modos de fazer humor. Por um viés engraçado e por um jeito mais inteligente. Acha que de alguma forma o humor do Rocky e Hudson ajudou a diminuir o preconceito?
Acho que ajuda a diminuir o preconceito. Acho que pode diminuir. Mas não sozinho. Tem que estar combinado com um conjunto de coisas que estão acontecendo. Cinema, revistas, cultura em geral. O comportamento está mudando e as pessoas estão mais tolerantes. Essa divisão de sexos deve acabar em uns 50 anos. Infelizmente estarei morto ate lá.

Sexo é um tema recorrente no seu trabalho. A Aline, por não ter muitas neuras com a sexualidade e ter dois namorados, pode ser considerada uma libertária. Em quem você se inspirou pra criar a personagem?
A Aline não foi inspirada numa pessoa só. Ela tem um pouquinho de cada pessoa que conheci ao longo de minha vida. E um montão de mim, é claro.

Aliás, a Aline já teve experiências homossexuais? E os namorados dela? Nunca rolou um affair entre os dois?
Numa série rolou um sexo entre os dois. Botaram a culpa na bebida, mas esqueceram que tinham tomado refrigerante.

Tem algum personagem que foi inspirado em você ou que você gostaria de ser?
Todos os meus personagens são inspirados em mim. Todo autor admite isso.

É difícil se expressar com pouco espaço?
Não. Pelo contrário. Sinto dificuldade em me expressar em grandes espaços.

Que outros cartunistas você curte?
Putz, muitos. Crumb, Angeli, Laerte, Allan Sieber, Rafael Sica, Daniel Lafayette, Bennet, Andre Dahmer, Arnaldo Branco. Sempre esqueço muitos.

Qual seria um final feliz para Rocky e Hudson?
Os dois dormindo abraçadinhos na cama depois de um dia estafante. Um sono gostoso e sem preocupações.

Você tem alguma característica de alguns dos seus personagens?
Sou também “mal desenhado”.

Faz tanto sexo quanto seus personagens? Na cama vale tudo e com todos?
Não. Tenho fases mais taradas. Mas gosto do esporte, confesso. Na cama vale o que os dois (ou 3, ou 4, ou 5) estiverem a fim.

Você se considera só um simpatizante ou se vê também como um militante?
Sou simpatizante de toda a liberdade sexual possível…

O Rocky e o Hudson transariam com a Aline? E a Aline, “pega geral” que é, transaria com algum dos dois, ou com os dois?
Sim, a Aline pegaria os dois. Mas teria que pegar de jeito. Por que os dois iriam fazer de tudo pra escapulir como sabonete.

FOTO: Adão – Divulgação

Sair da versão mobile