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Maior evento do Orgulho gay também tem seus dissidentes

A parada é unanimidade entre os gays, certo? Errado. Longe das estatísticas oficiais, o grupo dos “dissidentes” é firme e atuante. A maioria contesta a importância política e social do evento e acredita que há outras formas de manifestar o Orgulho gay – bem longe da avenida.

Em São Paulo, a parada envolveu em 1996, ano de sua primeira edição, pouco mais de 300 pessoas, entre militantes e empresários, que foram às ruas para exigir respeito e visibilidade. Espantosamente, a manifestação cresceu ano após ano e passou a atrair a atenção da grande imprensa e dos chamados “simpatizantes”, aqueles que não necessariamente integram a sigla GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). No ano passado, 2,5 milhões de pessoas, segundo a Polícia Militar, compareceram à Paulista, grande palco da manifestação. No próximo dia 10 de junho, quando mais uma vez os gays tomarão conta da avenida, a expectativa é quebrar o recorde e colocar definitivamente a cidade no calendário GLS mundial.

Dados que comprovam o crescimento da parada foram apresentados em pesquisa realizada em 2006 pela APOGLBT (Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo), em conjunto com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República. O levantamento mostrou, por exemplo, que os jovens escolarizados participam cada vez mais da parada e também que os heterossexuais têm se mostrado favoráveis à garantia de direitos aos homossexuais. “Quando penso nas pessoas que vão à parada, não consigo me esquecer dos dados que cruzam faixa etária e a quantidade de vezes que os gays estiveram no evento. Eles mostram uma comunidade composta por diversas gerações: os mais velhos participando há mais tempo e os mais novos chegando ao longo das últimas edições”, observa a antropóloga Regina Facchini, vice-presidente da APOGLBT.

Mas alguns representantes da nova e velha geração se negam a participar da parada. O jornalista Jardel Teixeira, 45, já foi duas vezes ao evento “para acompanhar amigos”, mas não o freqüenta mais porque acha que ele se transformou em “festa”. “A parada não é uma manifestação política e social como deveria ser. O rumo da coisa se perdeu. O propósito da parada deveria ser outro e não um desfile de carnaval, porque é isso que acontece. Uma manifestação é algo bem diferente de encher trios elétricos com homens bonitos, músicas para as pessoas dançarem, beberem e se divertirem”, critica.

Entre os amigos heterossexuais do jornalista, a opinião não é muito diferente. “Tenho amigas que não são lésbicas e acham um desproposito ver tantos homens bonitos malhando uns aos outros. Quantos aos amigos homens que não são gays, alguns acham legal a manifestação, e outros acham um bom motivo para tirarem sarro por tanta exposição”, revela. Apesar das críticas, Jardel ainda consegue ver um ponto positivo na parada: para ele, esse é um tipo de manifestação que ajuda a atrair turistas para a cidade.

Para o jornalista, a parada não é a única forma de exigir respeito e visibilidade. “O maior orgulho de sermos gays é sabermos que estamos nos tornando profissionais em todas as áreas e um dia chegaremos à Presidência”, defende Jardel, que não se considera um peixe fora d´água por ir contra a maioria. “Quando fazia faculdade, participei de passeatas a favor das Diretas Já e também de outras manifestações”, relembra. “Agora, se a parada tivesse um cunho político e social, eu e com certeza todos os meus amigos seríamos a linha de frente como já fizemos em outras ocasiões.”

Para Assílio, a mobilização do movimento GLBT pela garantia de direitos não começa nem termina na parada. “Falta um sentido real que é conscientizar o próprio gay da sua importância de exigir mais direitos, como a união civil. Não estou falando de casamento na igreja, mas do direito de ter o parceiro garantido legalmente”, opina.

Além de contestar o caráter político da parada, o designer acredita que ela favorece exclusivamente o lucro e quem deseja “aparecer”. “O que você vê é uma caricatura de gente montada e afetada. E esta imagem que vai para a mídia é a mesma que a sociedade associa ao gay. Eu não sou assim e não acho justo ser julgado e comparado pela atitude de outros.”

Ao contrário de Jardel, Assílio já sofreu retaliações por defender veementemente sua posição contra a passeata. “Sou muito criticado, porém aprendi a defender minhas causas e ideologias. Um dia quem sabe tudo muda, mas fico com a minha consciência limpa de que tomei a decisão correta de acordo com minha própria percepção da realidade e não desta coletividade proposta pela mídia”, afirma.

Mas então o que fazem esses gays que não vão à parada? “Geralmente fico em casa vendo alguma coisa pela TV ou fico conversando com amigos… Todo mundo sabe que fica impossível de transitar pelas ruas”, reclama Erick Wolff, 40, editor do portal Sosni. “Fico em casa sozinho ou com meus familiares. Quase todos os meus amigos vão para a Paulista”, lamenta o fisioterapeuta Aroldo Madela, 27, que já foi duas vezes à parada – em 2001 e 2004 – mas deixou de freqüentá-la quando passou a se incomodar com seu apelo sexual. “Critico a promiscuidade das pessoas, que transformam tudo em pornografia, que espalham seu lixo sem nenhuma preocupação aparente, que chocam outros cidadãos, como se o outro fosse obrigado a participar de uma idéia minha”, diz, categórico.

Democracia: palavra de ordem

“Devemos respeitar o direito das pessoas que não vêem relevância na parada e decidem não se fazerem presentes nesse espaço”, reconhece Regina Facchini. “No entanto, não podemos nos esquecer ou subestimar o que a parada e o espaço político e de visibilidade conquistado a partir dela representam para a nossa comunidade e para a sociedade como um todo.

É inegável a influência que a parada tem tido em promover a visibilidade e a convivência entre GLBT e pessoas que talvez, há algum tempo atrás, só tivessem contato conosco através das notícias sobre violência que chegam aos jornais ou nas piadinhas e chacotas que ainda hoje são feitos em vários ambientes. Promover uma cultura de respeito à diversidade pautada por um senso ético que toma como parâmetro o respeito a direitos fundamentais, como o direito à vida, à integridade física e à dignidade, tem sido o nosso principal objetivo.”

Regina aproveita para também enfatizar as conquistas alcançadas nesses 10 anos de evento. “Nesses anos todos, vimos o engajamento de várias gerações de uma comunidade: comunidade que descobriu que a política não precisa ser sisuda, que há várias formas de participação e que gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros não precisam ter vergonha de celebrar na rua, à luz do dia e dançando, a beleza do amor. Amor que hoje não só ousa, como já pode dizer, em alto e bom som, os seus vários nomes.”

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