No início de outubro, o senador e pastor Magno Malta, do PR-ES (mesmo partido para o qual Clodovil Hernandes se debandou), afirmou em discurso que o PLC 122 irá punir pastores que proibirem homossexuais de se beijar dentro de igrejas.
"Você não pode discriminar o gesto afetivo, ou seja, eles podem se beijar no banco da igreja e o padre não pode dizer ‘olha, não beijem aqui, porque isso aqui é uma igreja’, está discriminando o gesto afetivo, é crime".
"Podem estar tendo um ato sexual embaixo da sua janela, você não pode dizer ‘aquelas são as minhas crianças, isso é um condomínio, por favor’, você vai preso", completou o parlamentar.
Como se vê, a discussão em torno do projeto de lei da Câmara (PLC) 122/06, que criminaliza o preconceito com base na orientação sexual, tem levantado inúmeras questões — além da óbvia premissa de se proteger o cidadão gay — por conta do bate-boca ideológico travado pelas alas mais conservadoras da sociedade, encampadas, sobretudo, por evangélicos e católicos.
A simples tentativa de coibir os crimes de homofobia tem servido para expor as entranhas do machismo brasileiro e colocou em evidência que a separação entre Estado e Igreja, o laicismo, órgão vital da democracia, ainda não está bem definida aqui nos trópicos.
O maior embate tem ocorrido com os evangélicos, os quais apelidaram o PLC de “mordaça” e “ditadura gay”. O principal argumento apresentado pelos religiosos é de que os gays passariam a ser imunes a qualquer tipo de crítica ou atitude que se contraponha aos “valores cristãos”. Inclusive usando a falácia de que os homossexuais poderão, com a aprovação da lei, praticar atos obscenos em lugar público, conforme previsto no artigo 233 do Código Penal.
Julian Rodrigues, do Instituto Edson Neris e do Fórum Paulista GLBT, argumenta que essas críticas, em sua maioria, não têm base laica ou objetiva. “São fruto de uma tentativa equivocada de transpor para o espaço público argumentos religiosos, principalmente bíblicos”.
Ele acusa os religiosos de não discutirem o mérito do projeto e sua adequação ou não do ponto de vista dos Direitos Humanos e do ordenamento legal. “Apenas repisam preconceitos com base em errôneas interpretações religiosas”, afirmou.
No que tange a liberdade de culto, outra crítica freqüente dos religiosos, o ativista Julian, que acompanha os desdobramentos do PLC desde o início, afirma que o projeto não visa proibir qualquer tipo de crença religiosa. Ele lembra que, se substituirmos a expressão cidadão homossexual por negro ou judeu, veremos que não há nada de diferente do que já é praticado hoje.
Liberdades
Essa suposta censura à religião é sustentada pelo advogado e professor universitário da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Zenóbio Fonseca, que em entrevista à revista Enfoque Gospel de outubro, acusou o movimento GLBT de atacar a liberdade de crença.
“Tenho a nítida impressão de que querem criminalizar o cristianismo e calar os cristãos na manifestação de sua fé e valores sustentados pela Bíblia. Isso é uma violação expressa ao princípio constitucional, visto que todos têm o direito de ter a sua fé e expressá-la livremente”, argumentou Zenóbio.
Julian rebate a tese: “O projeto de lei pune apenas condutas e discursos preconceituosos. É preciso considerar também que a liberdade de expressão não é absoluta ou ilimitada – ou seja, ela não pode servir de escudo para abrigar crimes, difamação, propaganda odiosa, ataques à honra ou outras condutas ilícitas”.
Não há pesquisas oficiais a contar o número de assassinatos de GLBT no Brasil. Ativistas e pesquisadores, no entanto, utilizando como base de cálculo informações sobre mortes violentas de homossexuais no noticiário, classificam o País como campeão mundial nesse quesito. Relatora do projeto, a senadora Fátima Cleide (PT/RO) salienta que, embora já exista legislação para punir agressões de vários tipos, ainda não há qualificação para os crimes contra a população homossexual.
“Exemplifico: quando você sofre uma violência em um assalto é um tipo de crime, outra situação é quando você sofre violência pelo simples fato de ser homossexual”, disse.
Segundo a senadora, a votação do relatório apresentado na Comissão de Direitos Humanos do Senado deve ficar apenas para fevereiro de 2008. Ela ressaltou que manobras de parlamentares opositores têm atrasado a votação.
“Entraram com um requerimento para que o projeto saia da Comissão de Direitos Humanos e vá, primeiramente, para a Comissão de Assuntos Sociais. O requerimento será votado em plenário, e se aprovado, infelizmente, demoraremos mais tempo para aprovar o PLC”, contou.
Do ponto de vista legal, o que o projeto visa coibir de fato são as manifestações declaradamente discriminatórias, ofensivas ou de desprezo; sobretudo as que incitem a violência contra gays.
Veja o que diz o 1º parágrafo do substitutivo PL 6.418/05, que atualiza a lei 7.716/89 e está em tramitação na Câmara, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS): “Entende-se por discriminação toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, religião, orientação sexual, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de condições de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.
Está claro que líderes religiosos que usam a Bíblia como verdade não precisam temer serem processados ou “amordaçados” por discordarem da homossexualidade. Os pastores poderão continuar pregando nas igrejas os textos bíblicos. O que não vai mais poder é deixar de dar emprego a alguém apenas por ele ser homossexual, por exemplo.
Os dois lados da moeda
“A reprovação de atos discriminatórios é importante para a construção da igualdade de direitos, mas é possível reprovar e responsabilizar sem usar a linguagem das penas”, acreditam os mestres em direito e professores da Direito GV (Escola de Direito de São Paulo da FGV) Marta R. de Assis Machado e José R. Rodriguez. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, eles defenderam o uso da justiça restaurativa a fim de promover o encontro entre vítima e ofendido, visando reconhecer a responsabilidade do ofensor e eventuais sanções.
Para os docentes, o PLC 122 tão-somente cria penas de reclusão — que vão de 1 a 5 anos –, não atacando a raiz do problema. Eles ressaltaram ainda que o projeto não se abre a inovações.
“Ele [o PLC] altera a lei 7.716/89, que prevê crimes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Considerada uma conquista do movimento negro, levanta-se a questão: passados quase 20 anos de sua promulgação, essa lei contribuiu efetivamente para diminuir a discriminação e o preconceito?”, indagaram.
O juiz federal Roger Raupp Rios, conhecido defensor da causa GLBT, no entanto, discorda. Ele acrescenta que “as funções que a legislação penal cumpre são insubstituíveis: além de possibilitar a punição de atentados graves contra a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana, a lei penal tem caráter pedagógico e simbólico”.
Para o magistrado gaúcho, o próprio histórico de preconceitos e agressões sofridas pelos homossexuais “desde há muito”, já justificariam a criminalização da homofobia. Roger ressaltou que essa dinâmica “é alimentada, direta e indiretamente, por opiniões e atitudes intolerantes”.
Nesse quadro, a inclusão da homofobia entre as formas de discriminação penalmente puníveis é justa e necessária, afirmou o magistrado: “Necessária porque, além de ter caráter