Fiquei feliz com as manifestações que recebi após o primeiro texto. Nelas, senti confirmadas duas das minhas hipóteses: o duplo preconceito e o sentimento de quase nunca ser contemplada nas questões acerca da diversidade sexual. Na verdade, não sei se devo ficar feliz com essa confirmação, mas pelo menos vi que minha motivação pra topar o desafio dessa coluna tem lá o seu sentido!
O curioso é que apesar do sentido amplo do conceito da diversidade sexual, a hierarquia é clara: a primeira associação direta é com os homens gays. Lésbicas, travestis e transgêneros são lembradas num segundo momento; bissexuais vêm na seqüência. Talvez a bissexualidade seja mesmo a parte mais polêmica da diversidade sexual!
Isso se confirma nos comentários recebidos. Enquanto a maioria manifestou-se cúmplice nessa sensação de preconceito duplo, teve também quem falou em não acreditar em 50% e 50%… Eu mesma também não sei se existe o tal “meio a meio legítimo”, porém não acho que isso seja importante, afinal, mesmo que pensemos em “52% X 48%” ou em “2% X 98%” continuamos tratando de bissexualidade, não?
Acho que uma boa definição sobre isso está nos Relatórios Kinsey, publicados em 1948 e 1953, que, entre diversas conclusões, apresentou a noção da sexualidade humana ser composta não por duas alternativas únicas – a heterossexualidade e a homossexualidade – mas por um grande espectro de interesse e comportamento sexual, que tem as duas como extremos.
Pesquisas realizadas sobre o assunto costumam mostrar que grande parte da população tem tendências à bissexualidade, com intensidade variante. Basta dar uma navegada pelo orkut e constatar a grande quantidade de pessoas que se declara “bi-curious”.
Não importa o quanto se discuta, sempre vai existir quem enxergue as bissexuais como mal resolvidas… Promiscuidade, indecisão, confusão, fase transitória, diversão sem compromisso são alguns dos outros conceitos – errôneos ou não – atribuídos à bissexualidade.
O que ocorre é que estamos sempre transitando por dois grupos, pois existem laços que nos unem com o gueto gay, da mesma forma que possuímos amizades e vida social no meio heterossexual. É possível que seja essa transição a responsável por tantas dykes considerarem a bissexualidade nada mais que um meio-termo confortável entre a heterossexualidade estabelecida e a identidade homossexual que lutam por estabelecer.
Por conter sua parcela de heterossexualidade (no sentido da atração pelo sexo oposto), a bissexualidade pode até parecer mais facilmente aceita, mas na verdade acredito que são exatamente essas particularidades que a tornam uma orientação tão complexa e – porque não dizer? – “complicada”.
No entanto, essa complicação não deveria ter uma conotação negativa, já que ela pode ser facilmente compreendida se lembrarmos que tudo que não segue o status quo gera dificuldades de compreensão, aceitação e diálogo em nossa sociedade.
Se pensarmos na história de forma mais ampla, o comportamento bissexual foi não apenas aceito como encorajado em algumas sociedades antigas, como na Grécia, por exemplo, onde até hoje a questão não é rodeada por tanto tabu. Por aqui, o termo queer pode ser visto como um exemplo de avanço. A palavra vem sendo usada ultimamente para denominar tanto homossexuais como bissexuais, numa tentativa de fugir dos rótulos dualistas, englobando num único termo as pessoas que possuem uma orientação sexual divergente da heterossexualidade dominante.
Na verdade, eu acredito que o caminho pode ser por aí, pois enquanto não diminuirmos o tabu dessas questões dentro da própria comunidade gay, vai continuar sendo muito difícil enfrentarmos juntos o modelo heterossexual imposto, não acham?