Cumprindo o combinado, volto a falar um pouco dos debates sobre sexualidade que rolaram no Carnaval Revolução… Vi que teria um debate sobre “Resistência queer”. Ótima oportunidade pra aprender mais sobre esse termo que já ouvi algumas vezes mas nunca soube o que significava exatamente. Infelizmente, cheguei um pouco atrasada e a discussão já estava rolando. Mas acho que deu pra sacar um pouco do tema.
Preciso confessar que fiquei um tanto surpresa ao ouvir maiores definições sobre o termo queer. Pra mim, como já disse por aqui anteriormente, era apenas um termo que vem sendo usado para englobar as pessoas que possuem uma orientação sexual divergente da heterossexualidade dominante. Até aí, muito legal! Acho importante unir forças contra o status quo. Mas o debate trouxe novas definições e descobri que o tal termo vai um pouco mais além e chega a ser chamado de movimento.
Pelo que entendi, o movimento queer parte da recusa do gênero. Para seus seguidores, somos todos seres humanos e definições como homem, mulher, gay, lésbica, bi, etc, não passam de rótulos que devem ser abolidos em nome da liberdade completa. Acredito que tal argumentação seja válida, no entanto, acho que ainda temos um longo caminho a percorrer até atingirmos o patamar necessário pra discutir essa questão.
Meu livro de apoio em questões de sexualidade, como já citei por aqui, é o “Diferentes Desejos”, do psicólogo Cláudio Picazio. Gosto sempre de recorrer a ele quando me sinto perdida em conceitos… Como sabemos, o ser humano é extremamente complexo. Em assuntos sexuais, claro, não seria diferente! Portanto, a sexualidade de cada um é composta por vários elementos. O primeiro é o corpo em que nascemos, que define nosso sexo biológico (homem, mulher ou hermafrodita). Depois temos a orientação sexual, que pode ser homo, hetero ou bi, determinada por quem sentimos desejo. Em seguida temos nossa identidade sexual, que independe do gênero, e é caracterizada por aquilo que acreditamos ser – homem, mulher, travesti, transgênero. E por fim, há o papel sexual, que é como nos comportamos, associado ao que se espera de nós socialmente.
Dentro desse quadro, cada um tem uma composição única de sexualidade, podendo sofrer as combinações mais variadas possíveis. “Você pode, por exemplo, ser uma menina com um pouco a mais de hormônios masculinos e viver raspando uma penugem de bigode, ter desejos por meninos, identificar-se como mulher e agir de forma meio machona. A natureza não costuma trabalhar com absolutos, preferindo sempre a variedade e as imperfeições. Portanto, quase todos nós estamos em algum lugar do espectro, próximo a uma das pontas”, define Picazio.
Diante disso, o que me incomoda no termo queer é que todas essas definições passam a ser ignoradas e todos os itens que compõem a sexualidade (gênero, papéis, orientação, identidade) são colocadas dentro do mesmo pacote, como se mesmo as diferenças biológicas entre homens e mulheres não tivessem a menor importância e toda nossa construção partisse unicamente do social. E para mim é nesse ponto que mora o perigo!
Se por um lado o queer tem um aspecto muito positivo ao abstrair de toda essa semântica e simplesmente considerar que somos diferentes, múltiplos e cheios de possibilidades, por outro, ele esbarra no risco de desconsiderar os inúmeros preconceitos que sofremos na sociedade. Em outras palavras, eu acredito que o movimento queer talvez esteja avançado demais, pois o que vejo é que ainda precisamos de muita auto-afirmação – seja enquanto mulheres, enquanto dykes ou bissexuais – e muito enfrentamento antes de pensar em conceitos tão livres.
Acredito que no meio alternativo o movimento queer consegue ter um espaço maior de discussão. Mas em termos de mundo real e sociedade geral, ainda lidamos com casos de pessoas que apanham na rua por causa de sua orientação sexual. Diante disso, sinto que é importante me afirmar como mulher bissexual e mostrar que tenho os mesmos direitos e as mesmas possibilidades do que qualquer outro ser. Renegar o gênero ou a orientação nesse momento, para mim, soa como fechar os olhos para todas essas diferenças que ainda geram tantos problemas sociais.
Para concluir, lembro de outro debate do evento. “Além de uma pica, além de uma buceta”, proposto pelas meninas do WenDo de Salvador, já trazia polêmica no próprio nome e abordou pontos bem interessantes. A discussão foi bem elucidativa e englobou aspectos das questões de trânsito e também do movimento queer. Após a exibição de um filme que mostrava a rotina de um casal, subvertendo seus papéis sexuais, foi proposta uma dinâmica onde cada um deveria identificar suas características femininas e masculinas.
Ao discutir sobre elas, muitos disseram não conseguir definir o gênero das características, acreditando que tal diferença só existe em aspectos biológicos.
Por fim, a conclusão que tirei dali é que realmente nossa definição vai muito além do órgão genital que possuímos, mas cada um sabe das dores, dos prazeres e da importância que carregar determinado órgão impõe em nossa vida. Volto a dizer que o importante é conviver diante das diferenças da melhor maneira possível.