Formada em Psicologia Clínica pela Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, com pós-graduação e mestrado em ciência na área de psicoterapia sexual e de casal pela Middlesex University, em Londres, e Southbank University, a psicóloga Ana Cláudia Alvim Simão, 45, prepara para abril de 2008 o primeiro fórum sobre mitos e realidade da sexualidade.
“Mitos e realidade da sexualidade – Tudo o que não se fala sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero” estava programado para acontecer no último mês de outubro e é uma realização da Associação Brasileira de Turismo GLS e do Instituto Edson Néris. O objetivo do evento é trazer novas idéias sobre a diversidade sexual e, com isso, diminuir o preconceito e a discriminação.
Em entrevista exclusiva ao Dykerama.com, Ana Cláudia, profissional com mais de 20 anos de vivência na área, fala sobre a evolução da psicologia no entendimento das sexualidades e identidades de gênero e explica qual é o caminho mais saudável para assumirmos nossos desejos sexuais de forma mais plena.
Dykerama – Como a psicologia e áreas afins encaram, hoje, a homossexualidade e as diferentes instâncias da sexualidade?
Ana Cláudia – Não posso generalizar por áreas, mas por profissionais de cada área. Encontro ainda profissional nada sério a respeito da aceitação das diferenças. Não há respeito ao outro, em relação à sua orientação sexual, comportamento, valores. Disfarçadamente fazem piadas homofóbicas em relação a clientes não heterossexuais que encaminho. Sinto que não estão preparados para falar e discutir sobre sexualidade e que estão desconfortáveis obviamente com sua própria sexualidade.
Dykerama – Recentemente, a psicóloga Rosângela Justino, do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia) foi impedida pelo Conselho Regional de Psicologia do RJ de exercer a profissão por querer “curar” gays. Você conhece esse caso? O que pensa sobre a tentativa de profissionais como Rosângela de usar seu conhecimento como arma para legitimar o preconceito?
Ana Cláudia – Gostaria apenas de comentar que não existe cura para o que não é denominado doença.
Dykerama – Você tem muitos pacientes homossexuais? Quais são as queixas mais freqüentes? Como você faz para se aproximar de um assunto tão complexo?
Ana Cláudia – Sim, tenho, tanto quanto bissexuais. As queixas mais freqüentes são sobre a rejeição familiar e social que sofrem. Chega a um ponto tão estressante e dolorido que o próprio relacionamento mesmo cheio de amor muitas vezes não segura a intensidade da pressão sofrida. Quando o paciente não vem com a queixa direta, ele logo dá vazão, dá a abertura para o trabalho começar neste sentido. O sofrimento já está tão arraigado que ele só tem a ganhar, começando o mais rápido possível.
Dykerama – Como é seu trabalho com as identidades de gênero?
Ana Cláudia – Identidade de gênero é masculino e feminino. Nos estudos podemos comprovar que o masculino e feminino se constroem e se destroem nas incansáveis disputas de poder. Nada tivemos durante décadas sobre as relações de gênero; para os gays, lésbicas, trangêneros, transexuais etc. As pessoas sofrem tentando construir suas identidades mediante tanta exclusão. O meu trabalho é focado na despatologização do gay, lésbica, transgênero, bissexual.
Dykerama – Pode me falar um pouco sobre o Fórum? Qual é seu objetivo e quando ele será realizado em 2008?
Ana Cláudia – Está programado para abril. A maneira que pensamos sobre sexualidade é condicionada e internalizada por uma história complicada, e que para piorar nossos problemas, esta história esteve e ainda está no poder de muitos que têm sido desnecessariamente antagônicos consigo mesmos e com a história das relações humanas.
O estreito e denso caminho que percorremos na explicação da existência humana ainda no século XXI nos faz pensar que a área da sexualidade conserva-se forte e poderosa aos olhos de nossa sociedade ocidental.
A ABRAT, dentro da diversidade sexual, com palestras e debates, visa informar ao público em geral e profissionais de várias áreas tais como saúde, educação, cultura; a história dentro do mundo dos diferentes uma vez que este ainda é tratado com preconceito e discriminação.
Acreditamos que os debates venham nos enriquecer sobre vidas que nos cercam e que muitas vezes são vistas com um olhar distorcido e injusto.
Dykerama – Como é seu trabalho com outros profissionais da área na tentativa de capacitá-los para lidarem com as diferentes sexualidades? Ainda há muita resistência e preconceito?
Ana Cláudia – Muita resistência e preconceito. Tento sempre discutir em workshops, palestras e debates. É uma luta árdua, difícil. A mudança das mentalidades é algo que não se vê resultado imediato, é dispendioso.
Dykerama – Qual é, na sua opinião, o caminho mais saudável para assumir nossos desejos sexuais de forma mais plena?
Ana Cláudia – Primeiramente assumi-los para si, assumir que estes desejos existem e são fortes; e que não adianta lutar contra eles. É um caminho bonito de percorrer. Existe um trabalho grande em relação à mudança de valores culturais, educacionais, religiosos. Trabalhar para saber entender que o que você sente é natural, é lindo, que pode ser vivido sem culpa, sem rótulos perniciosos.
Dykerama – Como a sociedade de hoje, talvez um pouco mais aberta à diversidade, influencia seu trabalho como psicóloga/sexóloga?
Ana Cláudia – Diariamente temos tido ganhos, mesmo com a pouca abertura que conquistamos. O Fórum é um exemplo de ganho. Tento cavar de todas as maneiras os espaços oferecidos, tais como debates, palestras, para a conscientização da falta de respeito e a patologização que a sociedade infringe em todos aqueles que não se sentem heterossexuais.
Dykerama – Qual é o futuro da sexualidade humana? Estamos caminhando verdadeiramente para uma harmonia e tolerância em relação às sexualidades?
Ana Cláudia – Talvez chegaremos a um ponto onde não exista mais a diferenciação de gênero. O masculino e o feminino. As pessoas serão identificadas não de acordo com o sexo biológico delas, o feminino e o masculino não estará mais vinculado ao sexo. Você pode ter um pênis com identidade de gênero feminino sem qualquer estranheza.
Acredito, sim, que estamos caminhando, devagar no meu ponto de vista, mas caminhando, a uma maior respeitabilidade em relação às diferenças. Mitos são fáceis de serem criados e aceitos como verdades e isso nos levou a deturpar muito sobre a sexualidade humana.
Assim, e se tentássemos aprofundar o que de fato dá à heterossexualidade o selo da normalidade? O sexo biológico determina verdadeiramente uma “relação natural”? Por que deveríamos aceitar que nossa identidade seja aquela ligada ao sexo biológico? Em que medida o “sexual” é pertinente para classificar as relações entre as pessoas?